No ecossistema de inovação, o termo unicórnio é utilizado para definir startups que atingem valor de mercado superior a US$ 1 bilhão. Mais recentemente, outro termo têm ganhado popularidade: startup camelo define negócios que priorizam sustentabilidade financeira e lucratividade desde os primeiros passos, evitando a busca por crescimento acelerado apenas para atender investidores. A justificativa dos founders de startups camelo é construir negócios duradouros, mesmo que isso demande mais tempo.
O termo foi utilizado pela primeira vez em abril de 2020 pelo investidor e professor norte-americano Alex Lazarow. Ele defende que as startups deveriam se inspirar nos camelos, animais resistentes, cautelosos e capazes de sobreviver nos ambientes mais adversos. “Ao contrário dos unicórnios, os camelos são reais, mais resilientes e podem sobreviver nos lugares mais difíceis da Terra”, explica Lazarow em seu artigo “Startups – It’s time to think like camels – Not unicorns” (“Startups – está na hora de pensar como camelos, não como unicórnios”, em tradução livre).
Carlos Perobelli, autor do livro “Startup Studio Playbook – o modelo das startups de sucesso” (editora Grupo Novo Século), destaca que adotar a mentalidade camelo é fundamental para construir empresas sólidas e consistentes no mercado. “Uma das maneiras para alcançar esses objetivos é ter processos bem definidos. O brasileiro é arredio a processos, o que torna tudo mais lento e desorganizado. Para conseguir que a startup tenha sucesso não basta apenas uma grande ideia e ousadia do founder”, afirma.
Um levantamento realizado pelo Observatório Sebrae Startups, mostrou que no Brasil existem mais de 18 mil startups em operação e que a cidade de São Paulo lidera o ranking com mais de 1,9 mil empresas. O estudo, que mapeou o cenário de inovação nacional, também revelou o crescimento de 59% no número de empresas inovadoras em comparação com 2024. Tanto no Brasil quanto no exterior, não faltam exemplos de startups que seguiram o método camelo e se consolidaram no mercado. A seguir, veja alguns exemplos.
A Locaweb, de hospedagem de sites e serviços de internet, é um exemplo emblemático. Criada em 1998, começou como uma pequena operação em um momento em que o acesso à internet no Brasil ainda engatinhava. O crescimento da empresa foi marcado por prudência e estratégia, evitando movimentos arriscados e direcionando recursos gradualmente para tecnologia e inovação. Mesmo durante crises econômicas e oscilações do mercado, a startup manteve rentabilidade e solidez financeira. Outro diferencial está no compromisso da startup com a responsabilidade social, com investimentos em inclusão digital e no fortalecimento do ecossistema empreendedor brasileiro.
A plataforma de videoconferência, que se popularizou globalmente durante a pandemia, nasceu com foco em crescimento sustentável e buscou capital externo apenas quando realmente necessário. Fundada em 2011 por Eric Yuan, ex-engenheiro da Cisco, começou com um produto simples, focado na qualidade de áudio e vídeo e na facilidade de uso. Por quase uma década, cresceu de maneira gradual, conquistando clientes corporativos e do setor educacional sem buscar capital de risco excessivo. Com recursos como mensagens, webinars, telefonia e integrações para o ensino híbrido, a Zoom ampliou rapidamente sua base de usuários mantendo o controle financeiro e o foco em inovação sustentável. Atualmente, é avaliada em mais de US$ 1 bilhão e segue como um exemplo de como o planejamento e a paciência podem preparar uma empresa para aproveitar grandes oportunidades.
A Zapier, plataforma de automação de fluxos de trabalho, levantou R$ 1 milhão em sua rodada inicial e, inicialmente, não parecia destinada a grandes voos. No entanto, com gestão disciplinada e foco em receita sustentável, a empresa conseguiu sobreviver em um mercado competitivo, conquistou novos financiamentos e superou concorrentes. A Zapier atende mais de R$ 2,2 milhões de empresas ao redor do mundo, integrando sua solução a mais de 7 mil aplicativos e registrando mais de R$ 25 milhões de “zaps”, fluxos automatizados que simplificam processos e aumentam a produtividade. Tornou-se, assim, um caso emblemático de crescimento cauteloso e consistente.
A Hotmart, plataforma global de vendas e distribuição de produtos digitais, é outro exemplo consistente do modelo camelo no Brasil. Fundada em Belo Horizonte em 2011, a empresa nasceu com o objetivo de oferecer uma solução completa para criadores e empreendedores monetizarem conhecimento. Desde o início, adotou uma postura cautelosa em relação a investimentos, priorizando a autossuficiência financeira e a construção de uma base sólida antes de buscar grandes aportes externos. Essa estratégia de crescimento sustentável permitiu que a Hotmart mantivesse estabilidade mesmo em períodos de crise econômica e falta de crédito no país. Ao focar em eficiência operacional e inovação contínua a empresa consolidou sua posição como líder no setor. Hoje, ultrapassa a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado.
A Ebanx, fundada em Curitiba em 2012, é um exemplo de como o modelo de startup pode gerar expansão sem comprometer a saúde financeira. Criada para facilitar pagamentos, a fintech sempre manteve o controle sobre custos e margens. O grande diferencial foi identificar cedo a barreira que consumidores locais enfrentavam para pagar por produtos e serviços estrangeiros, especialmente de plataformas como AliExpress, Spotify e Airbnb. A empresa construiu parcerias sólidas e investiu de forma cirúrgica em tecnologia e atendimento, o que lhe permitiu manter um crescimento constante. Mesmo após se tornar um dos maiores players de pagamentos da América Latina, a Ebanx manteve a filosofia camelo: evitar gastos desnecessários, reinvestir lucros de forma estratégica e preservar a cultura interna, valorizando equipes e clientes. A fintech mostra que é possível crescer de forma conservadora e, ainda assim, atingir relevância global.