“Quando gênero, raça, etnia, classe, religião ou crença, status de migração ou outros motivos de discriminação se encontram e se cruzam, criam imbricadas redes de privação, de negação de direitos, que impedem, minam e oprimem. A noção de igualdade é inseparável da de dignidade humana essencial a cada e toda pessoa. O respeito pelos princípios da igualdade e da não-discriminação sustenta a Declaração Universal de Direitos Humanos e todos os tratados internacionais de direitos humanos”. (ONU, Mulheres e Meninas Afrodescendentes, PDF.)
Em setembro de 2024, saiu o Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas 2023 – 2024, do Instituto Ethos por uma sociedade justa e responsável. Nele, é inegável a ampliação da percepção por parte da alta direção das empresas no que diz respeito à sub-representação de mulheres, pessoas negras e pessoas com deficiência nesta edição do Perfil.
Desde o início, há mais de 20 anos, o Perfil aponta a resistência por parte das maiores organizações privadas do país em absorver uma quantidade adequada de pessoas negras em seu quadro funcional. A despeito dos avanços conquistados, resta um gap considerável nos níveis mais elevados – Conselho, Executivo, Gerências e Supervisão. Ou seja, ainda persiste no mundo do trabalho uma preferência pela homogeneidade.
Haja visto que, o processo seletivo da Magalu, mesmo sendo uma ação política afirmativa, reconhecendo as diferenças existentes entre os grupos sociais, criado com respaldo em leis como forma de compensar essas diferenças e equilibrar as possibilidades, pelo menos dentro da instituição, sofreu forte pressão da sociedade, inclusive, da falácia de ‘racismo reverso’.
Mas como bem afirma Djamila Ribeiro “não existe racismo de negros contra brancos. Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para serem racistas. A população negra que sofre um histórico de opressão e violência que a exclui, segrega e mata”.
Como o professor Hélio Santos comenta, o racismo é sistêmico e está no jeito de a sociedade funcionar. “O branco correndo está atrasado, o negro correndo é assaltante. O branco de terno é executivo, enquanto o negro de terno é segurança de shopping”. Ou seja, parece clara a falta de reconhecimento e pertencimento de pessoas negras em posição de poder e liderança.
Se esquecem de lideranças negras que marcaram a história como Martin Luther King, Jr., Nelson Mandela, Machado de Assis, Milton Santos, Angela Davis, Alice Walker, Dandara de Palmares, Bob Marley, entre outros.
Pior, esse apagamento não é apenas histórico.
A recente polêmica em torno do lançamento da nova linha de maquiagem da Mascavo, com a falta de opções para peles negras, revela esse apagamento em um retrato alarmante de negligência em relação à diversidade e inclusão no setor empresarial. Não se trata apenas de um lapso operacional, mas um claro indicativo de que a Mascavo, como tantas outras empresas não está ouvindo ou respeitando todos os segmentos do mercado.
Em contra-posição, a Agenda 2030 é um plano de ação para transformar nosso mundo para o desenvolvimento sustentável, sem deixar ninguém para trás. Com 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, eles buscam concretizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas.
Entre os 17 Objetivos, o ODS 10 refere-se à redução das desigualdade no interior dos países e entre países, o que pode ser alcançado por intermédio de uma série de ações, entre as quais, destaca-se: “empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, etnia, religião, condição econômica ou outra”.
Mesmo assim, segundo a pesquisa do Instituto Ethos, ainda que os negros sejam 70,8% dos trainees (sendo 16,4% pretos e 54,4% pardos), no quadro executivo/diretoria, os negros são 13,8% dos profissionais (sendo 1,8% pretos e 12% pardos). Ou seja, mesmo que estejam tendo acesso às empresas como trainees, dificilmente avançam na carreira, para ocupação de posições de liderança.
Considerando que o último censo apontou uma população negra de 55,5%, fica clara a sub-representação desse grupo nos espaços de poder, situação agravada quando se faz o recorte de gênero, denotando a resistência ao aproveitamento dos talentos negros na progressão das carreiras.
Então, precisa ficar claro que diversidade não é benemerência, pois há negras e negros capazes de ocupar adequadamente todos os níveis hierárquicos. Como afirma Hélio Santos, “a diversidade não deve mais ser confundida com salada de frutas, porque requer gestão. É preciso aproveitar todos os talentos e, não há política de diversidade sem igualdade de oportunidades, a qual se materializa pela equidade baseada em políticas afirmativas, sempre com atenção na intersecção de gênero, sob pena de cobrir uma parcela e desguarnecer outra”.
Mais uma vez o exemplo da Mascavo de não haver base para pessoas negras não é um mero deslize, é uma falha estratégica que questiona a competência e a visão ética de líderes da empresa que falhou na gestão de riscos. É preciso não apenas fazer o melhor, mas fazê-lo da melhor maneira. E isso só pode ocorrer aproveitando-se todos os talentos. Talvez, se houvesse uma liderança negra isso não tivesse ocorrido.
Por fim, a agenda ESG não modismo e muito menos um conjunto de diretrizes éticas; é um componente crítico de sobrevivência empresarial no século XXI. As empresas que ignorarem esse fato farão isso a um custo que vai muito além do financeiro, ético, reputacional, mas pode custar sua perenidade na era das tecnologias da informação e da comunicação.
Referências Bibliográficas:
Instituo Ethos. Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas 2023-2024 Disponível em: https://www.ethos.org.br/iniciativa/perfil-social-racial-e-de-genero-das-1100-maiores-empresas-do-brasil-e-suas-acoes-afirmativas/
Mundo Negro. A falha da Mascavo: Um espelho das lacunas no compromisso empresarial com a diversidade. 04/11/2024. Disponível em: https://mundonegro.inf.br/a-falha-da-mascavo-um-espelho-das-lacunas-no-compromisso-empresarial-com-a-diversidade/
Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Transformando nosso mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. PDF. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-09/agenda2030-pt-br.pdf
Nações Unidas. Mulheres e Meninas afrodescendentes. Conquistas e Desafios de Direitos Humanos, PDF. Disponível em: https://nacoesunidas486780792.wpcomstaging.com/wp-content/uploads/2018/03/18-0070_Mulheres_e_Meninas_Afrodescendentes_web.pdf
Ribeiro, D. Não existe racismo de negros contra brancos porque este é um sistema de opressão. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/nao-existe-racismo-de-negros-contra-brancos-porque-este-e-um-sistema-de-opressao/150223316
Roda Viva. O que é “racismo sistêmico?” Hélio Santos explica. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9OCdJzjVUv0