A popular mandioca, espécie amazônica domesticada pelos povos originários da região antes de se espalhar no mundo como fonte de alimento e diversas aplicações industriais, ganha nova utilidade no mercado: a produção de embalagens a partir de matéria-prima renovável, com a promessa de unir conhecimento tradicional, tecnologia e demanda das empresas que olham para critérios de sustentabilidade. Além de reduzir a poluição plástica, a fabricação nas próprias comunidades aumenta a renda e ajuda a conservar a Amazônia.
Desenvolvida em parceria com o Idesam, a inovação substitui plásticos convencionais, isopor e outros materiais por solução de baixa emissão de carbono e biodegradável, inicialmente a partir da fécula da mandioca – ingrediente muito usado na culinária para fazer tapioca. “As bioembalagens agregam valor a cadeias produtivas amazônicas, considerando o diferencial das matérias-primas regionais, com impactos socioambientais positivos”, afirma a empreendedora Erika Cezarini, à frente da startup Dooka.
Em fevereiro, a empresa inaugurou uma inovadora biofábrica de embalagens em Lábrea (AM), em parceria com uma organização comunitária local, a Associação de Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS), que abrange indígenas, ribeirinhos e pequenos produtores da agricultura familiar.
O investimento veio do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), desenvolvido pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) para o repasse de recursos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) que as empresas são obrigadas a investir como contrapartida dos incentivos fiscais. Foram mobilizados até hoje mais de R$ 146 milhões, com 40 empresas investidoras e 76 projetos já finalizados ou em execução no Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Acre.
“É fundamental levar tecnologias para o beneficiamento das matérias-primas e a produção final nas comunidades, com aumento da renda e menor dependência de recursos filantrópicos”, destaca Paulo Simonetti, gerente de projetos de inovação em bioeconomia do Idesam, instituição que coordena o PPBio. “A biofábrica de embalagens em Lábrea contribui com o Polo Industrial de Manaus na busca de maior conexão com a Amazônia”.
O projeto da Dooka recebeu cerca de R$ 1,4 milhão de investimentos em P&D da indústria de bicicletas OX Bike, instalada em Manaus. Os recursos se destinaram ao desenvolvimento de testes, prototipagem, equipamentos e construção da biofábrica, incluindo a capacitação técnica de 11 pessoas da comunidade na operação do maquinário, em escala piloto, dentro dos padrões de qualidade para o produto final.
Além da fécula da mandioca, o uso de insumos regionais em bioembalagens, copos e outros utensílios abrange resíduos do agroextrativismo – como no beneficiamento de castanha, açaí, óleos e manteigas vegetais – capazes de adicionar valor às cadeias produtivas da floresta mantida em pé. A estratégia inicial é produzir embalagens técnicas para produtos eletrônicos, como estojo de celulares e notebooks, bem como fornecer à indústria de cosméticos. “Um mercado promissor é o de biocápsulas para sementes no reflorestamento de áreas degradadas”, revela Cezarini.
Com capacidade de produzir em média 120 mil peças ao mês na biofábrica em Lábrea, o objetivo da Dooka é replicar a inovação na Amazônia por meio do licenciamento social da tecnologia para comunidades, com equipamentos modulares. “Há uma longa trajetória no desenvolvimento do processo produtivo e na formulação do material a ponto de viabilizar a terceirização”, aponta a empreendedora.
Com negócio voltado à transferência de tecnologia e receita de royalties, a startup planeja obter novos investimentos para a instalação de unidades de bioembalagens em pelo menos nove outras localidades, também no Tocantins, Maranhão e Pará, até 2030.
Em Lábrea, região de alta pressão de desmatamento, no Sul do Amazonas, a biofábrica recém-inaugurada se soma às demais fontes de renda das comunidades, reforçando a expectativa em torno da bioeconomia, com conservação da floresta. “Jamais imaginávamos um dia produzir embalagens para celulares, com produtos da floresta”, conta
Sandra Barros, vice-presidente da ASPACS, também fornecedora de copaíba, andiroba e manteiga de murumuru e tucumã. “O objetivo agora é a produção local também da fécula da mandioca, hoje comprada em Manaus para fabricação das bioembalagens. Com maior visibilidade [pela inovação], chegam novas parcerias que aumentam a renda e movimentam a economia da nossa região”.