Por Paulo Arruda, professor da Unicamp e sócio fundador da InEdita Bio
A população total, hoje, gira em torno de 8 bilhões de pessoas, que consomem anualmente 2,2 bilhões de toneladas de alimentos. Desse total, 80% da comida consumida é oriunda direta e indiretamente de 4 culturas: trigo, milho, soja e arroz. Plantamos hoje cerca de 800 milhões de hectares para produzir somente essas quatro culturas. É muita coisa.
Só milho e soja somam 1,6 bilhões de toneladas– afinal, eles são usados também na “produção” de outros alimentos, uma vez que servem de ração para os rebanhos de produção de leite, carne, etc. E, para cultivar tudo isso, utilizamos uma quantidade enorme de fertilizantes, defensivos agrícolas e outros insumos químicos.
Em 2050, a expectativa é termos 10 bilhões de pessoas no mundo, que vão consumir 1,9 bilhões de toneladas de milho e soja. Para atender a essa demanda, precisamos aumentar em 25% a produção de alimentos nas próximas décadas. Com a produtividade atual, necessitaríamos de mais 70 milhões de hectares de plantações só para essas culturas – ou seja, aumentar a área plantada. Mas onde conseguir esta área? Em uma única palavra a resposta é: desmatando.
Um estudo recente do Ipam concluiu que uma eventual escalada do desmatamento ameaçaria o equilíbrio climático no Brasil. Os territórios na Amazônia formam um estoque de 55 bilhões de toneladas de carbono, equivalente a 26 anos de emissões brutas do Brasil em gases de efeito estufa.
Mas justamente pelo impacto das mudanças climáticas, a seca na safra de milho 2015/2016 no Brasil causou quebra de 18 milhões de toneladas – um prejuízo de R$ 11 bi de reais. Na safra 21/22, as perdas foram de 5 milhões de toneladas, que custaram R$6 bi de reais. Nessa mesma safra, episódios de seca causaram perdas de 21 milhões de toneladas de soja, um prejuízo de quase R$ 40 bi. Mas, os impactos da Seca e de altas temperaturas podem aumentar a incidência de pragas e doenças aumentando ainda mais o custo do produtor.
A conta não fecha. Para produzir mais, aumentamos a área de desmatamento, o que impacta diretamente no clima. O aquecimento global, por sua vez, reduz a produtividade da lavoura. Estamos verificando o início de uma espiral sem fim e a agricultura mundial precisa enxergar isso.
Para romper esse ciclo, pesquisadores no mundo todo estão empenhados em usar o conhecimento científico para ajudar a resolver o problema da produtividade. Dentre os muitos caminhos possíveis, a edição genômica chega para mudar o cenário da biotecnologia visando assegurar maior sustentabilidade na produção de alimentos.
Mas o que é a edição genômica? A ciência descobriu que existem mecanismos de defesa das bactérias contra vírus, e que esse mecanismo é dado pela presença de genes que codificam enzimas, chamadas nucleases. Elas reconhecem pequenas regiões no genoma do vírus e o cortam. Na edição genômica, usamos essa mesma enzima para fazer pequenas modificações no genoma das plantas. Essas alterações nos levam a desenvolver culturas mais resistentes a pragas e doenças e melhor adaptadas a mudanças climáticas, capazes de crescer e se desenvolver com menos água e fertilizantes químicos. Variedades resistentes a pragas e doenças deverão reduzir significativamente o uso de pesticidas. Tudo isso sem transgenia, apenas “editando” os genes – um processo que a própria natureza utilizou durante os milhões de anos de evolução das espécies.
Plataformas de edição genômica têm sido utilizadas para variedades mais resilientes e produtivas em diferentes culturas. Por exemplo, uma pequena alteração produzida por edição genômica pode ser usada para desenvolver variedades de soja resistentes à ferrugem asiática. Para combater essa doença, atualmente são pulverizados defensivos agrícolas que custam 2,9 bilhões de dólares por safra aos agricultores.
Investir em ciência e tecnologia, pode dar ao mundo uma forma de contornar o grande desafio da humanidade na produção de alimentos, combatendo pragas, doenças e preservando o meio ambiente. São inovações que têm impacto econômico, ambiental e na saúde humana, pois favorecem a diminuição da aplicação de defensivos químicos.
É possível, sim, promover um aumento sustentável das produções agrícolas com safras mais eficientes, que produzam mais num menor espaço e ainda poupam recursos naturais. Para isso, ciência e inovação constituem a base do futuro da humanidade em algo tão básico que é a produção de alimentos.
Sobre Paulo Arruda
Paulo Arruda é sócio-fundador e Chief Executive Officer da InEdita Bio. Foi pioneiro na área de biologia molecular e genômica de plantas no Brasil, ganhando notoriedade mundial por seu trabalho na área. Formado em Biologia, é professor da Universidade Estadual de Campinas, onde coordena o Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas. Paulo Arruda tem extensa lista de publicações de artigos científicos em revistas internacionais de alto impacto. É membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia Mundial de Ciências (TWAS), da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Ordem Nacional do Mérito Científico. Foi sócio-fundador da Alellyx Applied Genomics, empresa pioneira em biotecnologia agrícola no país.