“Amor em fazer o que gosta” é a principal receita da Tchocolath 

Localizada na zona sul de São Paulo, doceria especializada em pão-de-mel é exemplo em gestão humanizada

Arquivo pessoal

Rodrigo Pasquali, 41, é o sócio-diretor da Tchocolath, marca de doces localizada na Vila Nova Conceição, bairro da zona sul de São Paulo. Com uma visão altruísta a respeito de como gerenciar a empresa, o executivo divide sua vida profissional em duas personas: administrador organizado e ator dedicado. A gestão também é dividida com Gustavo Dermendjian, amigo de longa data do empreendedor que apostou nos negócios da família Pasquali. 

A Tchocolath foi fundada em 1986 – 3 anos após o nascimento de Rodrigo. A mente por trás da marca é Eliana Pasquali, mãe do atual gestor da empresa. De acordo com o empresário, a fundadora inicialmente fazia os doces para ele e seus irmãos, depois para pessoas do próprio bairro, até o sucesso aparecer repentinamente. Professora de história, Eliana deixou a carreira e passou a se dedicar a encantar mais pessoas com seus variados pães-de-mel. 

“Ela sempre gostou de cozinhar, inventar doces, foi assim que surgiu uma nova receita de pão-de-mel para fazer pra gente [Rodrigo e seus outros dois irmãos]. Depois que ela comprou uma derretedeira, ela começou a dar de presente para a família, nisso, meu pai deu a ideia de montar um negócio”, conta Rodrigo. Como a Tchocolath nasceu nas raízes de um bairro residencial, a empresa ganhou destaque, de acordo com Pasquali, através do “boca a boca”.

Com o passar dos anos, Eliana passou o comando da empresa para os filhos – dessa forma, os irmãos acordaram que Rodrigo deveria assumir a gestão, com o intuito de fechar o empreendimento conforme as contas eram quitadas, já que a empresa iria se tornar lucro presumido. Porém, após certo período na liderança, Pasquali deixou a carreira de ator um pouco de lado para focar no papel de executivo.

De acordo com o atual dono, a mudança na liderança foi algo sentido pelo quadro de funcionários – alguns colaboradores contam com mais de 20 anos de casa. “Todo mundo está aqui por amor”, diz Rodrigo. “Sempre tem uma aversão inicial à modernização, é uma reação natural do ser humano”, aponta Andréa Bacellar, esposa do empreendedor que também é um dos pilares da nova gestão da Tchocolath.

“Ela [minha mãe] era um outro perfil de gestão, uma ‘chocolatier’ sem faculdade. A empresa cresceu nesse formato na ponta do lápis. Era tudo assim, existia uma reatividade ao sistema. Porque era o fazer de uma forma genuína e botar pra vender por prazer”, diz Rodrigo. 

Pais de uma filha de 5 anos, Andréa e Rodrigo são uma dupla em duas frentes: como família e como executivos. “Nós criamos um limite do que é urgente e do que é importante. Tem muita coisa que a gente acha que é urgente, mas não é, nisso você perde o que é importante”, diz Pasquali.

“O importante de tudo é o respeito”, diz Andréa. “Você respeitar o espaço, o tempo do outro, o momento do outro. É o respeito do momento daquela pessoa observar, se colocar no lugar daquela pessoa”, conclui.

Apesar da presença de Andréa, o quadro societário da empresa é dividido entre Rodrigo Pasquali e Gustavo Dermendjian. De acordo com Rodrigo, a primeira divisão do negócio ocorreu em 2017, com uma amiga que entrou para auxiliar nas responsabilidades da empresa – porém, ela encerrou a participação no negócio em 2020, ano da pandemia.

O período, de acordo com o atual gestor, foi de extrema dificuldade. Como a páscoa é o momento mais importante do ano para a marca, já que aumenta exponencialmente o número de pedidos – e foi justamente na páscoa de 2020 que a pandemia aconteceu. Com o estoque cheio e sem ter uma direção estabelecida de como agir, Rodrigo diz que criou um sistema de delivery em apenas 5 dias para realizar entregas e retomar o investimento já destinado ao que seria um dos melhores momentos da empresa no ano. Nesse cenário, Gustavo entrou como sócio e responsável.

“É muita coragem para entrar em um negócio na pandemia”, diz Rodrigo. “Ficou eu e ele com a maquininha fazendo delivery enquanto todo mundo tava afastado. Foi desesperador, não tínhamos e-commerce”. 

“Imagina que tínhamos o estoque cheio para a Páscoa normal, e de repente ninguém podia mais sair de casa? Foi um caos! Tivemos que movimentar contatos, tínhamos dois entregadores de carro e três de moto”, diz Andréa, que afirma que o “networking foi fundamental para superar o período de crise”. 

Modelo de gestão

Manter a qualidade e permanecer com os fornecedores antigos é uma das principais estratégias da marca. De acordo com Pasquali, a clientela mais assídua sente a diferença na troca até de ingredientes simples para a confecção dos doces. “O pessoal sentiu e me cobrou quando aconteceu”, diz ele. “Nós apostamos em manter a qualidade, mesmo buscando inovar. O importante é não perder a essência, a receita continua a mesma da época da minha mãe”. 

Rodrigo se vê como um ator “interpretando o papel de empresário”. Ao utilizar essa postura artística para compor a identidade empreendedora, o dono da Tchocolath desenvolveu uma forma única de treinar sua equipe: a utilização de psicodrama com amigos atores. Dessa forma, os próprios colaboradores conseguem visualizar diversas maneiras diferentes de como reagir nos mais variados tipos de atendimento. 

“Quanto mais procedimento tiver, mais livre as pessoas entrarão na engrenagem”, diz Rodrigo. “Você põe o uniforme, é um figurino. Abriu a porta, abriu a cortina. A atuação ajuda a deixar as coisas de fora do trabalho lá fora, ao assumir as responsabilidades de forma inconsciente, é como atuar, então eu acho que ensinar dessa forma ajuda muito”, aponta.

Futuro da Tchocolath

De acordo com Rodrigo, o principal planejamento da empresa é reformar a matriz na Vila Nova Conceição para se tornar uma loja conceito. O plano é aproveitar o máximo possível do espaço alocado, com objetivo de transformar o local em uma vitrine do que a marca representa. Após isso, transformar o empreendimento em uma franquia e vender os produtos em maior escala são os próximos passos da gestão. 

O executivo também afirmou que a Tchocolath está aberta para investidores interessados. Segundo ele, a empresa recebe diversas ofertas que são avaliadas de acordo com o planejamento atual, que é potencializar a matriz. “Tudo depende da proposta, de como vai ser a ideia, o que imaginam. Com o café crescendo, sempre estamos abertos à conversa”, diz Andréa Bacellar.  

ESG

95% do quadro de funcionários da Tchocolath é composto por mulheres, de acordo com os executivos. No levantamento, a diversidade e inclusão é um dos pontos mais fortes da empresa, já que, segundo Rodrigo, a escolha dos colaboradores independe da cor de pele, gênero ou sexualidade. “Em relação à diversidade, isso nunca foi falado aqui porque nem precisa ser falado. É uma coisa natural e cultural aqui dentro. A gente recebe currículos e estamos abertos, só precisa estar interessado em trabalhar”, diz Andréa. 

Em direção ao foco da agenda sustentável, a Tchocolath já avalia deixar o plástico e reduzir a poluição, porém há uma dificuldade: empresas pequenas não conseguem realizar encomendas mínimas de embalagens que não ultrapassem o estoque. 

“Somos uma empresa pequena, uma loja só. Outro dia mesmo eu falei com uma empresa de sacolas que o pedido mínimo são 20 mil unidades, e nossa demanda era de duas mil caixas no máximo”, diz Andréa Bacellar. “Nós diminuímos o plástico nas nossas embalagens, mas o setor de embalagens tem muito a evoluir para empresas pequenas. Minha maior dificuldade é mandar produzir tantas caixas, eu vou ficar com o estoque parado, vou produzir lixo, o dinheiro vai ficar encalhado e não vai ser sustentável pro negócio”. 

Apesar da dificuldade, a empresa já possui uma estratégia de sacolas reutilizáveis – o plano é oferecer descontos aos clientes interessados e promover uma campanha de abandono ao plástico convencional. 

Incorporar a empresa é o pilar

Rodrigo afirma que “articular bem as coisas” é a chave para um empreendedor de sucesso. “Articular a equipe, colocar as pessoas na área em que se identificam mais, criar um ambiente saudável e feliz, manter os pequenos fornecedores, tudo isso é fundamental aqui na Tchocolath”, diz.

“A gente também trabalha e está a disposição dessa entidade que é a Tchocolath”, diz Andréa. “O discurso é esse, e isso é compartilhado aqui de forma natural. Todo mundo sabe o que precisa fazer para a engrenagem funcionar. Estão todos aqui por amor, pela sua família, pelo trabalho, por si próprio. E estamos todo mundo debaixo da Tchocolath”, conclui.

Conselho para novos empreendedores

“Respira”, diz Rodrigo. “Respira, calma, tem coisas que são urgentes e tem o que é importante para resolver na hora. Aposte no procedimento – quanto mais você tiver, mais regras, não é que é ruim, vai criar um muro invisível que vai no automático, as pessoas já vão executar e, dessa forma, sugerir uma mudança. Procedimento gera espaço para criação”, pontua.

Ao apostar na gestão humanizada, manter o contato com pequenos fornecedores antigos, desenvolver uma matriz forte e ter procedimentos sólidos na condução da empresa, os executivos da Tchocolath mostram que é possível apostar no novo enquanto mantém as raízes bem firmes – basta ter organização, disposição e muita criatividade.

Sair da versão mobile