Em acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (08/05), ficou definido que batalhões com maiores índices de letalidade policial terão prioridade no recebimento e utilização de câmeras operacionais portáteis (COP’s).
Além disso, a utilização de câmeras corporais será obrigatória em operações policiais militares de grande envergadura, bem como nas ações em comunidades vulneráveis ou em resposta a ataques praticados contra policiais militares. Nestas ocasiões, o acionamento das câmeras será feito automaticamente e de forma remota pelo Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM), assegurando, na prática, a gravação contínua e ininterrupta das ações.
Caso seja preciso deslocar tropas para realização dessas operações, serão alocados preferencialmente policiais militares que portem COPs e, em caso de não atendimento desta regra, a motivação deve indicar razões técnicas, operacionais e/ou administrativas.
O acordo ainda prevê o aumento do número de câmeras corporais em operação, que passará de 10.025 para 15.000 dispositivos. A alocação será realizada na ordem de 80% (oitenta por cento) do número total de COPs, conforme a matriz de risco, para cobrir integralmente as unidades de alta e média letalidade. Além disso, foram incorporados avanços tecnológicos que impedem o desligamento manual das gravações e garantem acionamentos automáticos por bluetooth.
“Nosso compromisso é seguir monitorando o cumprimento da política e atuando para ampliar a transparência na segurança pública, sempre em defesa dos direitos da população”, ressaltou a Defensora Pública-Geral de São Paulo, Luciana Jordão.
A Defensoria Pública, por meio do Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NCDH), teve papel central na obtenção desses avanços. Desde setembro de 2023, em parceria com a Conectas Direitos Humanos, adotou medidas extrajudiciais e judiciais para garantir o uso efetivo e ampliado das câmeras corporais, visando assegurar os direitos fundamentais da população e reduzir a letalidade policial.
O acordo foi alcançado após intensa atuação processual, apresentação de pesquisas, notas técnicas e participação em audiências de conciliação no STF. As tratativas contaram com a mediação do Gabinete da Presidência do STF, Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) e Núcleo de Processos Estruturais e Complexos (NUPEC). A homologação do acordo consolidou a legitimidade da Defensoria Pública para atuar na construção de políticas públicas destinadas à proteção dos direitos fundamentais de populações vulneráveis.
A partir de agora, a Defensoria Pública de São Paulo participará diretamente da construção dos indicadores de avaliação da política pública de câmeras corporais e dos mecanismos de monitoramento, assegurando o integral cumprimento das medidas acordadas.
“A atuação da Defensoria Pública neste caso foi embasada em dados técnicos e estudos que demonstram a importância das câmeras corporais para o controle do uso da força e maior transparência das ações policiais. Esta atuação é resultado da parceria estratégica com organizações da sociedade civil, como a Conectas Direitos Humanos e a Plataforma Justa, que colaboraram na produção de informações e na construção de uma atuação jurídica qualificada e comprometida com a proteção dos direitos fundamentais dos grupos vulneráveis”, afirma Fernanda Balera, defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo.
Além disso, foi incorporada ao acordo a previsão de aperfeiçoamento do sistema disciplinar e educativo da Polícia Militar, com base em estudos e melhores práticas institucionais. A medida visa garantir que os protocolos de responsabilização e formação de policiais estejam alinhados às diretrizes da política de câmeras corporais e ao respeito aos direitos fundamentais.
Transparência e Monitoramento
Pelo acordo, o Estado se compromete a desenvolver indicadores para monitorar e avaliar a efetividade das novas COPs (câmeras operacionais portáteis), em diálogo com o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O Estado se compromete, ainda, a publicar relatórios de monitoramento e avaliação da política pública.
O descumprimento de qualquer das cláusulas previstas poderá ensejar nova provocação judicial e a resolução do acordo.
O que muda
Antes:
- O uso de câmeras corporais era restrito a batalhões selecionados e não havia obrigatoriedade de uso em operações policiais militares de grande envergadura, bem como nas ações em comunidades vulneráveis ou em resposta a ataques praticados contra policiais militares
- Não existiam hipóteses de acionamento remoto e automático das câmeras corporais
- Não existiam critérios para distribuição das câmeras corporais com base em índices de letalidade policial
- Havia baixa transparência sobre os batalhões equipados e as imagens gravadas.
- Ausência de indicadores para monitoramento da política pública
Com o Acordo:
- Uso obrigatório de câmeras em operações de grande envergadura, incursões em comunidades vulneráveis e respostas a ataques a policiais.
- Acionamento automático-remoto e por supervisão em todas as ocorrências recebidas pelo COPOM
- Acionamento obrigatório automático-remoto via COPOM em todas as operações policiais
- Novas funcionalidades de acionamentos automáticos por proximidade das COPs via Bluetooth
- Aumento do número de câmeras para 15 mil dispositivos, com alocação prioritária nas áreas de maior risco de letalidade policial.
- Impossibilidade de desligamento manual: reativação automática da gravação em até um minuto, caso a câmera seja interrompida.
- Formalização do acesso da Defensoria Pública às imagens de câmeras corporais de forma extrajudicial.
- Aperfeiçoamento das normas de uso das câmeras e maior transparência na divulgação de informações sobre a política pública.
- Aperfeiçoamento do sistema disciplinar e educativo da Polícia Militar, com base em melhores práticas institucionais e alinhamento aos princípios da política de câmeras corporais.
- Transparência e monitoramento: envio de relatórios trimestrais à Defensoria Pública e ao Ministério Público com base em indicadores construídos em conjunto.
- Transparência Ativa: publicação no portal da Secretaria da Segurança Pública, junto aos dados do Programa Muralha Paulista, as informações de interesse público sobre o uso de câmeras corporais portáteis, inclusive as normas aplicáveis à política pública
Histórico da Atuação e Debate sobre o Uso de Câmeras Corporais
- Setembro de 2023: A Defensoria Pública, em parceria com a Conectas Direitos Humanos, ingressa com Ação Civil Pública (ACP nº 1057956-89.2023.8.26.0053) para exigir a utilização obrigatória de câmeras corporais em operações policiais em Santos, Guarujá e em operações para responder a ataques contra policiais em todo o Estado.
- Setembro de 2023: Tutela de urgência é concedida pelo juízo de primeira instância, obrigando o uso das câmeras, mas é posteriormente suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
- Dezembro de 2023: A Defensoria Pública, o NCDH, a Conectas e a Plataforma Justa ingressam com pedido de Suspensão de Liminar no STF (SLS 1696/SP), buscando reverter a suspensão do TJSP. O STF reconhece a legitimidade da Defensoria para atuar no caso, mas inicialmente não acolhe o mérito, apostando na continuidade das políticas de câmeras.
- Abril de 2024: Diante do alarmante aumento da letalidade na Baixada Santista e a continuidade das operações policiais naquele território, Defensoria Pública e Conectas apresentam pedido de reconsideração da decisão. Em 24 de abril, o Min. Barroso negou o pedido de reconsideração mas, reconheceu a importância da política de câmeras a dimensão estrutural do litígio, determinando que o processo passasse a ser acompanhado pelo NUPEC do STF.
- Novembro de 2024: Diante da escalada da violência policial e dos vários episódios de grande repercussão, dentre eles a morte da criança RYAN de apenas 4 anos, por intervenção policial, o NCDH, Conectas e Plataforma Justa apresentam novo pedido de reconsideração ao STF.
- Dezembro de 2024: O ministro Luís Roberto Barroso, reconhecendo retrocessos e risco à segurança pública, defere parcialmente o pedido e estabelece regras obrigatórias para o uso de câmeras, determina a manutenção do modelo de gravação ininterrupta até que seja comprovada a viabilidade técnica dos novos métodos de acionamento e impõe, ainda, que sejam prestadas informações sobre a alocação das câmeras corporais e regulamentação dos processos disciplinares.
- Abril a maio de 2025: Sob mediação do ministro Barroso, são realizadas três audiências de conciliação nos dias 24 e 29 de abril e 07 de maio de 2025, resultando no acordo que assegura avanços na política de câmeras corporais. Nestas audiências também ficam definidos fluxos e indicadores de avaliação e mecanismos de monitoramento da política, com participação ativa da Defensoria Pública de São Paulo.