A fazenda do futuro já chegou. Drones sobrevoam plantações, sensores monitoram o solo em tempo real e softwares calculam a hora exata de irrigar. Mas enquanto a tecnologia transforma o campo em um ambiente de alta eficiência, uma ameaça silenciosa ronda esse cenário: os ciberataques.
Mais de 95% dos produtores rurais brasileiros já utilizam algum tipo de tecnologia digital em suas atividades, incluindo softwares de gestão, ferramentas de previsão climática e operações bancárias online. Esse dado faz parte do estudo Agricultura Digital: Adoção e Difusão entre Produtores Bancarizados de Grãos, realizado por Maira de Souza Regis na Universidade de Brasília (UnB), e reforça a tendência irreversível da digitalização no campo, mesmo diante de desafios como conectividade limitada e falta de capacitação técnica em algumas regiões.
Quando os dados viram alvo
A transformação digital no agronegócio tem trazido avanços significativos para o setor e essas inovações aumentam a produtividade, otimizam recursos e proporcionam uma tomada de decisão mais estratégica. No entanto, essa digitalização também expõe o agronegócio a riscos cibernéticos cada vez mais complexos: “Muitos produtores, principalmente de pequeno e médio porte, ainda não possuem políticas estruturadas de segurança da informação, o que os torna alvos fáceis para ataques virtuais”, diz Marcelo Branquinho, CEO da TI Safe, empresa brasileira especializada em segurança cibernética de sistemas críticos.
Com a crescente conectividade no campo, o agronegócio passou a gerenciar grandes volumes de dados sensíveis, incluindo informações sobre safras, contratos comerciais, estoques, logística e finanças. Esses ativos digitais tornaram-se alvos valiosos para criminosos cibernéticos, com ataques virtuais cada vez mais frequentes e sofisticados.
Sistemas automatizados de irrigação, softwares de gestão agrícola e plataformas de exportação podem ser invadidos, causando a paralisação completa das operações e gerando prejuízos milionários.
Casos que acenderam o alerta no Brasil
Nos últimos anos, o Brasil presenciou casos concretos de ciberataques a importantes empresas do setor. Em 2023, um dos maiores produtores agrícolas do Mato Grosso, teve suas operações interrompidas por um ataque de ransomware que bloqueou os sistemas logísticos e produtivos. No ano seguinte, uma multinacional de grande porte foi alvo de um vazamento de dados internos, supostamente obtidos por meio de acesso indevido aos seus sistemas corporativos. Documentos estratégicos e informações relacionadas a compliance teriam sido divulgados em fóruns da dark web. O ataque teve origem na exploração de vulnerabilidades em servidores mal protegidos, resultando na interrupção dos sistemas e exigindo uma recuperação manual intensiva.
“Esses episódios ilustram como a nova era da cibersegurança, se não acompanhada de medidas adequadas de proteção, pode representar uma ameaça para o próprio funcionamento do agronegócio”, explica Marcelo Branquinho.
Agricultura 4.0: dados, sensores e IA no centro da produção rural
O conceito chamado de Agricultura 4.0 caracteriza um movimento que inclui a utilização de um número de tecnologias digitais no campo. Estas tecnologias tem como propósito aumentar a produtividade, sustentabilidade e eficiência dos meios de produção agrícolas. Inspirada pela lógica da Indústria 4.0 — que integra os mundos físico, digital e biológico por meio de tecnologias como Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial, sistemas ciberfísicos e biologia sintética — a chamada Agricultura 4.0 tem ganhado força no campo.
Também conhecida como Agricultura Digital ou Smart Farms, essa nova fase do agronegócio utiliza dados e automação como base para decisões mais estratégicas, sustentáveis e eficientes, marcando uma virada tecnológica nas práticas rurais a partir dos anos 2000, de acordo relatório publicado este ano pelo pesquisador Rodrigo Peixoto da Silva da área de Macroeconomia do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa ressalta que a transformação digital é uma realidade em andamento e será inevitável para todas as organizações nos próximos anos. Em artigo publicado, o IBGC destaca a necessidade de uma cultura organizacional que apoie essa mudança, enfatizando que a transformação digital vai além da adoção de tecnologias, exigindo uma mudança integral na forma de operar das empresas.
“É necessário promover a capacitação das equipes, criando uma cultura de segurança digital que envolva todos os níveis da operação, desde os gestores até os colaboradores no campo”, diz o CEO da TI Safe. “A proteção contra ameaças cibernéticas deve ser encarada com a mesma seriedade que se dedica à escolha de sementes, à manutenção de máquinas ou ao planejamento de uma safra.”
Segundo o Índice de Transformação Digital Brasil (ITDBr) 2024, elaborado pela PwC Brasil em parceria com a Fundação Dom Cabral, o agronegócio apresenta o menor nível de maturidade digital entre todas as indústrias avaliadas, com média de apenas 3,1 pontos em uma escala de 6 — abaixo da média geral de 3,7. A pesquisa aponta que a falta de governança digital e de estratégias bem definidas são os principais entraves para uma transformação mais profunda.
A aparente discrepância entre as duas pesquisas acima se explica pela diferença entre uso pontual de tecnologias digitais e maturidade digital estrutural.
Enquanto a maioria dos produtores já faz uso de ferramentas tecnológicas em atividades específicas do dia a dia, como previsão do tempo ou movimentações bancárias, isso não significa que o setor esteja digitalmente estruturado de forma estratégica e integrada. O ITDBr avalia justamente essa maturidade mais ampla — incluindo planejamento, cultura organizacional, infraestrutura e governança digital.
Segurança digital no agro: da teoria à prática
Apesar dos desafios, algumas empresas do setor já têm adotado medidas robustas de proteção e estruturado a área de tecnologia como pilar estratégico do negócio. É o caso da Massari, empresa do ramo agroindustrial que vem investindo fortemente em segurança cibernética nos últimos anos.
“Praticamente todas as nossas máquinas e sistemas já são informatizados, desde o controle de correias até os painéis operacionais. A preocupação número um é garantir que tudo funcione com segurança, com backups, no-breaks e antivírus sempre atualizados”, afirma Rubens Senhorini, supervisor de TI da empresa, em entrevista ao portal Business Moment.
Com seis anos de atuação na Massari, o especialista relata que a empresa possui firewalls específicos por unidade, estrutura de segurança constantemente atualizada e uma política interna que restringe o uso indevido de sistemas. “Temos tentativas de ataque o tempo todo, mas a nossa estrutura de IPs, portas e verificação constante garante que essas ameaças não se concretizem. Em seis anos, não tivemos nenhum caso de ransomware.”
Segundo ele, a chave está em levar a sério a segurança desde a base. “A LGPD é aplicada aqui e temos treinamentos constantes com os funcionários. A segurança precisa ser vista como algo tão essencial quanto a manutenção das máquinas ou o planejamento da safra”, diz.
A revolução tecnológica no campo é irreversível, mas ela também traz novos riscos — invisíveis, silenciosos e muitas vezes subestimados. Se antes o agronegócio enfrentava desafios climáticos e logísticos, hoje precisa lidar também com uma ameaça digital em expansão.
Casos como o da Massari mostram que investir em tecnologia não basta: é preciso estrutura, estratégia e uma cultura de segurança que envolva todos os níveis da operação. Enquanto algumas empresas já se antecipam, outras ainda tratam a segurança cibernética como gasto, e não como proteção essencial.
“Acredito que os investimentos no setor deveriam ser maiores, assim como a credibilidade dada à área de TI”, conclui Rubens.