Criado em 2008, Instituto Ar atuou diretamente na criação da Política Nacional de Qualidade do Ar e na resolução que estabelece novos padrões de qualidade do ar, mais próximos das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS); trajetória inclui produção científica e mobilização da classe médica
A poluição do ar e a crise climática já deixam marcas profundas na saúde humana, com o crescimento de doenças, principalmente respiratórias e cardiovasculares, e mortes evitáveis. Ainda assim, o tema segue relegado a segundo plano nas políticas ambientais e nos espaços de decisão no Brasil. Foi diante dessa lacuna que, em 2008, a médica e pesquisadora Evangelina Araújo reuniu outros profissionais da área para fundar o Instituto Ar, uma das poucas organizações no país que atua exclusivamente na intersecção entre saúde, clima e qualidade do ar.
A ideia surgiu após Evangelina assistir a uma palestra sobre sustentabilidade em um congresso médico. Encantada pelo tema, ela decidiu se especializar na área. Foi durante o curso de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas (FGV) que percebeu que, mesmo em espaços voltados ao debate ambiental, a saúde aparecia como questão secundária. “Eu era a única médica no curso. Vi ali a oportunidade de trazer o tema da saúde para esse campo”, relembra. Antes mesmo de concluir a formação, ela mobilizou colegas e professores para criar uma nova organização. Nascia, então, o Instituto Saúde e Sustentabilidade, rebatizado como Instituto Ar em 2023.
Nos primeiros anos, a atuação se deu sob o amplo guarda-chuva da sustentabilidade, com foco em estudos sobre os impactos da urbanização e da poluição atmosférica na saúde das populações. Um marco dessa fase foi a pesquisa realizada entre 2017 e 2019 sobre os efeitos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), na saúde das comunidades da Bacia do Rio Doce. O estudo apontou aumento de doenças respiratórias, cardiovasculares e infecciosas em um dos municípios ao longo do rio, Barra Longa — contribuindo para incluir a dimensão da saúde nas respostas a desastres ambientais e influenciando o debate sobre reparação. A abordagem foi reconhecida em meios técnicos e acadêmicos e ajudou a ampliar o debate público sobre os efeitos silenciosos da destruição ambiental no cotidiano das populações atingidas.
A saúde no centro da crise climática
Desde sua fundação, o Instituto Ar atua para que a saúde humana seja reconhecida como eixo central da agenda ambiental e climática. “O Brasil sempre atuou mais nas ações de mitigação, para redução de emissão de poluentes atmosféricos, mas não atuou na adaptação”, afirma Evangelina. Para ela, é urgente que o país invista na criação de planos e protocolos específicos para lidar com os efeitos sanitários da crise climática.
Em 2024, diversas cidades do país enfrentaram episódios críticos de qualidade do ar, causados pelas queimadas na Amazônia, no Pantanal e até mesmo em áreas do interior de São Paulo, enquanto o Rio Grande do Sul sofreu com enchentes devastadoras, além de ondas de calor em vários estados. Esses eventos expuseram o despreparo do sistema público diante dos crescentes impactos da crise climática. “O que precisa ser feito são planos de assistência tanto para situações emergenciais quanto para atender as doenças ou consequências dos eventos na população em termos de saúde. O Instituto Ar tem buscado fortalecer essa articulação, contribuindo com o debate técnico, pressionando por ações concretas e construindo pontes com a sociedade civil e o poder público”, diz Evangelina.
Instituto Ar teve participação na Lei Nacional de Qualidade do Ar
Com o passar dos anos, a atuação do Instituto Ar passou a se concentrar cada vez mais na defesa da qualidade do ar como um direito básico da população. A mudança foi impulsionada pela constatação de que a poluição atmosférica seguia invisível nas prioridades dos governos, apesar de ser responsável por 8 milhões de mortes por ano no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. “Enquanto água e solo já vinham recebendo atenção regulatória, o ar seguia fora da agenda. Praticamente não haviam leis, mas sim um arcabouço infra-legal de Resoluções determinadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). A maioria destas Resolução não foram cumpridas ou estavam desatualizadas. Além disso, os órgãos ambientais não tratam o tema com o olhar da saúde”, explica Evangelina.
O Instituto Ar, então, assumiu o papel de produzir dados técnicos, articular especialistas e pressionar o poder público para enfrentar esse vazio regulatório. As ações culminaram na Política Nacional de Qualidade do Ar (PNQAr), aprovada em 2024. A organização atuou desde os primeiros rascunhos da proposta, oferecendo uma versão técnica mais robusta do texto que seria discutido no Congresso Nacional e Senado. Também acompanhou todas as etapas de tramitação, realizando advocacy junto a parlamentares.
A nova legislação passou a estabelecer, pela primeira vez, um marco nacional para o controle da poluição atmosférica, com instrumentos de gestão e responsabilidades definidas para os entes federativos. Ela considera a criação de inventários de emissões, planos de gestão da qualidade do ar e a divulgação de dados de forma acessível à população. Também determina que estados e o Distrito Federal só poderão acessar recursos federais voltados ao meio ambiente caso cumpram os prazos e entregas definidos em lei.
“A força da lei está justamente nisso: agora os estados têm que agir. Não é mais uma resolução que pode ser ignorada — é uma obrigação legal com base na saúde pública”, diz Evangelina. Para ela, a aprovação da política marca um divisor de águas. “Foi uma conquista importante não só para o Instituto Ar, mas para todo o campo da saúde ambiental. A lei tira a invisibilidade e estabelece que o ar limpo é uma obrigação do Estado”, afirma.
Ação inédita levou STF a exigir revisão da resolução que define padrões de qualidade do ar
Se a aprovação da Política Nacional de Qualidade do Ar representou um avanço legislativo, a reabertura do debate sobre os padrões nacionais de qualidade do ar foi uma vitória estratégica na esfera jurídica. Em 2018, após quatro anos de discussão, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou a Resolução nº 491, que estabelecia limites para a concentração de poluentes no ar. O Instituto Ar, no entanto, identificou falhas graves na norma e passou a questionar sua constitucionalidade, por considerar que ela não oferecia proteção adequada à saúde da população.
“Ela foi aprovada de forma inconstitucional, porque não tinha uma amplitude de defesa da saúde da população e do meio ambiente”, afirma Evangelina Araújo. A partir de uma provocação técnica elaborada pelo Instituto Ar, em parceria com o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esta decisão determinou que a resolução fosse rediscutida no Conama, com participação qualificada e prazo definido para revisão.
“Com isso, conseguimos algo inédito: uma resolução que já tinha sido discutida no Conselho Nacional do Meio Ambiente voltou. O Tribunal Federal determinou que ela fosse rediscutida, colocou prazo para isso e determinou o que tinha que ser feito”, relata.
A resolução revisada nº 506/24, aprovada em 2024, incorporou metas progressivas e prazos de adequação mais alinhados aos parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Conseguimos avançar para uma política mais protetiva para a saúde da população”, afirma Evangelina. Segundo ela, os padrões de qualidade do ar “determinam a concentração de poluentes que seria ideal para proteger a saúde” e, por isso, não podem ser definidos com base apenas em critérios econômicos ou políticos.
Uma luta pela vida no planeta
O Instituto Ar também tem fortalecido articulações estratégicas com outras frentes da sociedade civil. É idealizador e integrante da coalizão Respira Amazônia, que reúne 22 organizações dedicadas ao monitoramento da qualidade do ar na região amazônica, e é idealizador e coordenador do movimento Médicos pelo Clima, primeiro movimento brasileiro a mobilizar a classe médica no combate à mudança climática e à poluição do ar. “A defesa da saúde frente à crise climática é uma das tarefas mais urgentes da humanidade e precisa ser tratada com a seriedade de quem entende que o tempo está se esgotando. O meu sonho é realmente que o país avance em termos de políticas públicas. Nós vamos continuar lutando por isso, pelo bem da vida no planeta”, conclui Evangelina.
Sobre o Instituto Ar
O Instituto Ar é uma organização sem fins lucrativos fundada por médicos, acadêmicos e profissionais do mercado comprometidos com a causa ambiental. Com mais de 17 anos de atuação, consolidou-se como referência na conexão entre saúde, clima e qualidade do ar. Protege a saúde humana por meio do enfrentamento às mudanças climáticas e da poluição atmosférica, transformando conhecimento científico em ação, influenciando políticas públicas e mobilizando a sociedade por um ar e um clima mais saudáveis. Saiba mais em https://institutoar.org.br