As mulheres ganham 19,4% a menos do que os homens e a diferença pode chegar a 25,2% em cargos de dirigentes e gerentes, como mostrado pelo recém-divulgado 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, produzido pelos Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres. Este fator, associado ao fato de que muitas delas sustentam sozinhas seus lares e sofrem com menos oportunidades de empregos de qualidade, explica o porquê de estarem no topo de outro dado estatístico, desta vez positivo: elas são responsáveis por 60% da demanda total por microcrédito produtivo orientado (MPO).
A informação é do Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (Ceape Brasil) e se refere à tomada de empréstimos para capital de giro, compra de máquinas ou para reforma, entre outras necessidades de microempreendedores. Curiosamente, ambas pesquisas, embora independentes uma da outra, complementam-se. O documento divulgado pelos ministérios do governo federal aponta que apenas 32,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres. O índice piora conforme o grupo específico a que a mulher pertence. Se for negra, 26,4%; com deficiência, 23,3%; LGBTQIP+, 20,3%; e mulheres chefes de família, 22,4%. Para as vítimas de violência apenas 5,4% das empresas têm políticas de incentivo.
“Para aquelas que ficam de fora dessas políticas, não há outra solução que não seja empreender”, diz Claudia Cisneiros, diretora executiva do Ceape Brasil. Segundo a entidade, o MPO tem crescido no país. Nos últimos três anos, entre 2020 e 2023, o aumento do valor liberado de empréstimos atingiu 45%. Já o valor médio dos empréstimos concedidos subiu 29% desde o início da Pandemia.
A pesquisa foi feita com a base de clientes da própria instituição, que já concedeu mais de R$ 2,5 bilhões em crédito, beneficiando cerca de 1,5 milhão de empreendedores, principalmente na região Nordeste. Entre 2019 e 2023, o Ceape concedeu cerca de R$ 800 milhões em crédito em 170 mil operações.
“O microcrédito produtivo orientado se encontra acima dos níveis pré-pandemia. Em 2019, o tíquete médio solicitado era de R$ 3.893,38 e passou para R$ 5.855,86 em 2023, um crescimento de 50,4%. Buscamos evitar conceder empréstimos elevados e fazer com que a pessoa fique cada vez mais endividada”, observa Claudia Cisneiros, ao lembrar que a maior parte dos solicitantes se encontram na informalidade, ou seja, ainda não fizeram seu cadastro como Microempreendedor Individual (MEI).
As perspectivas para este ano são promissoras. Com a continuidade da queda da taxa básica de juros (Selic), há o barateamento do custo de crédito, que se torna mais acessível aos pequenos. Além disso, os juros mais baixos estimulam novos negócios e investimentos. Para se ter uma ideia, 58,7% dos microempreendedores afirmam que a taxa de juros é o que mais pesa na hora de pegar empréstimos, de acordo com a pesquisa de Educação Financeira realizada pelo Ceape, com 242 pessoas.
Outro dado do levantamento que chama a atenção é que 32,2% dos entrevistados afirmam que recorrem a linhas de crédito quando se deparam com o orçamento apertado para pagar as contas ou fazer compras de última hora. Outros 16,1% usam o cartão de crédito e 13,6% pedem emprestado para parentes ou amigos. O restante (38%) conta com uma reserva de emergência.
Existente desde 2005 para incentivar a geração de emprego por microempreendedores populares com juros baixos, o MPO busca não apenas conceder o empréstimo solicitado para impulsionar os pequenos negócios, mas também atua na educação financeira. O Ceape empresta principalmente para microempreendedores informais com o objetivo de fomentar esses pequenos negócios e, em seguida, colocá-los no caminho da formalização. “Hoje também emprestamos para alguns MEIs, mas o foco maior ainda está nas pessoas físicas que empreendem informalmente”, afirma Claudia Cisneiros.
Claudia lembra que, sem a devida orientação, o microempreendedor acaba conseguindo obter o crédito, mas não aplica corretamente para impulsionar o crescimento do negócio. Desta forma, o risco do concessor que atua neste segmento é elevado, o que limita a participação dos bancos. “O microcrédito das instituições comerciais tem um viés de consumo. É um CDC (Crédito Direto ao Consumidor) adaptado. Nós buscamos educar financeiramente para que estes microempreendimentos cresçam, gerem mais renda e emprego e ajudem no desenvolvimento econômico”, ressalta.
Segundo Claudia, o principal desafio é entender o perfil de risco do público. “Não é simples conceder empréstimo, pois trata-se de um público diferenciado, que nem sempre está cadastrado nos bureaus de crédito. A análise do risco precisa ser feita in loco. Muitos nem conta bancária tem. É um trabalho maravilhoso, mas quem deseja participar deste mundo, precisa ter muita paixão e desejo por ajudar ao próximo”, afirma.