Maria Luisa Ferrareto é a Vice-Presidente de Finanças e Controladoria da América do Sul no Grupo MANN+HUMMEL. A executiva tem uma trajetória profissional pavimentada no esforço, humildade e ambição – criada em uma família de origem rural, a VP afirma que os estudos sempre foram uma prioridade na sua vida. “Através dos mais experientes, aprendemos lições amplamente valiosas, que irão nos acompanhar durante todo o tempo”, diz.
Conheça sua história:
É comum ouvirmos que a falta de recursos financeiros impede o progresso educacional e profissional. Mas, minha trajetória é prova viva de que essa crença não é verdadeira, e tenho muito orgulho de tudo o que conquistei até os dias atuais.
Sou a primogênita de um casal humilde, com origem rural, e que apesar de não ter tido muitas oportunidades de estudo, sempre valorizou a educação. Logo após o casamento, eles se mudaram para Indaiatuba em busca de uma vida mais confortável. E foi nessa cidade que eu e meus dois irmãos nascemos. Meu pai trabalhou por 35 anos em uma empresa têxtil, demonstrando lealdade e comprometimento inabaláveis, atitudes que me inspiraram profundamente. Já minha mãe dedicou-se a cuidar da casa e dos filhos, garantindo que tivéssemos um lar acolhedor, sólido e unido.
Estudei em escola pública os Ensinos Fundamental e Médio, e neste período me empenhei ao máximo, pois tinha em vista o objetivo de ter um futuro promissor. Desta época, lembro com nostalgia que, quando pequena, sonhava em estar dentro de um escritório e cheguei até a pedir uma máquina de datilografia de presente, tamanha era a fascinação por esse ambiente.
Aos 15 anos, já adolescente, senti a necessidade de trabalhar durante o dia e estudar à noite. Comecei, então, como caixa em uma loja local, onde atuei por cerca de dois anos. Aos poucos, fui adquirindo experiência e novas competências até que, aos 21 anos, surgiu uma oportunidade em uma empresa que me possibilitou, finalmente, condições para que eu pudesse ingressar na PUC de Campinas, para cursar Administração de Empresas, bem como aprender inglês. Afinal, desde muito cedo era ciente da importância e relevância de dominar um segundo idioma, para evoluir profissionalmente.
Durante o primeiro ano de faculdade, candidatei-me a uma vaga de auxiliar de escritório na MANN+HUMMEL, que estava transferindo a área financeira de São Paulo para Indaiatuba e buscava profissionais para vagas juniores. Fui selecionada e comecei como auxiliar administrativa na área de contabilidade que, naquela época, era um departamento dominado por homens. Felizmente, isso nunca me intimidou! Passando por vários cargos, cresci gradativamente e hoje, 30 anos depois, orgulho-me da trajetória que construí até aqui.
Esteja preparada para as oportunidades
Sempre fui muito autêntica e nunca fiquei obcecada em planejar cada passo da carreira. Não ficava pensando que precisava ser promovida rapidamente, mas sim que o mais importante era estar preparada para quando a oportunidade surgisse. E foi justamente assim que ocorreu. Após cinco anos como auxiliar de escritório, me tornei analista sênior na área contábil. Posteriormente, em 1999, fui convocada como key user na área financeira, para auxiliar a empresa a implementar e adotar o sistema SAP. Por ser uma ação global, trabalhamos o tempo todo em equipe, com profissionais de diversos setores, no desligamento do sistema antigo e na execução do novo. Dediquei-me integralmente a esta empreitada por um ano e meio, e isso fez com que eu compreendesse melhor todas as áreas.
Finalizada esta etapa, retornei à função original, e, após um ano, obtive outra promoção, desta vez para coordenar a área de controladoria de vendas. Pela primeira vez, assumi o papel de gestão, liderando uma pequena equipe, e tive a oportunidade de visitar clientes e fornecedores, ligando as áreas de compras e vendas e adquirindo uma valiosa visão do mercado.
Priorize os estudos
Certamente, todas essas conquistas estavam se sucedendo porque nunca parei de estudar e sempre priorizei a educação. Quando a faculdade acabou, fiz pós-graduação no INPG Business School, em Campinas e, em seguida, um MBA em Finanças, na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Adiei a compra de alguns bens materiais visando este investimento, e isto foi uma escolha muito sábia.
Além dos estudos, sempre valorizei a capacidade de me relacionar bem com as pessoas. Isso é indispensável. Não basta apontar erros, é vital colaborar e apoiar os outros departamentos, para que todos cresçam juntos. Essa destreza me levou a ser nomeada gerente da controladoria, aos 34 anos. Enfrentei diversas demandas nesta posição, durante cinco anos, como a integração de planos estratégicos. Trabalhei junto ao CEO na aplicação do Balanced Scorecard, uma ferramenta de gestão bastante conhecida, na época. O objetivo era desenvolver a equipe, que contava com aproximadamente nove pessoas, preparando-as para se comunicarem em inglês e lidarem com as ferramentas globais da empresa, que estavam cada vez mais em evidência.
A força de provar-se em outro país
Em 2010, recebi um convite para trabalhar na MANN+HUMMEL dos Estados Unidos. Embora já tivesse recusado, por motivos pessoais, ofertas anteriores para ir à Alemanha, desta vez resolvi analisar melhor a proposta. Se aceitasse, meu marido teria que deixar o emprego dele aqui no Brasil, e começaríamos, junto com a nossa filha de 4 anos, um novo ciclo. Consideramos a situação e nos mudamos para Michigan, onde fui gerente de controladoria por quase dois anos. Essa experiência em um ambiente internacional muito me agregou, reforçando a autoconfiança e aprimorando minhas competências de liderança.
Mantive uma postura flexível e a mentalidade aberta, porque sabia de todas as adversidades que poderiam acontecer. Algo que me alegrou bastante foi o fato de não ter sentido preconceito por ser mulher ou brasileira. Mas, independente disso, precisei conquistar a confiança das pessoas, como qualquer iniciante. A adaptação cultural não foi tão difícil, mas a barreira linguística foi um grande desafio. Embora tivesse estudado inglês, a prática diária e a fluência exigida no trabalho eram diferentes. Nos primeiros três meses, senti dificuldade em participar ativamente das reuniões, pois não encontrava, rapidamente, as palavras certas para expressar o que queria, como fazia em português.
Com o tempo, porém, essa dificuldade foi superada, assim como a barreira cultural. Durante esse período, minha filha também se harmonizou à escola local, e meu marido já se encontrava estabilizado em um bom emprego. Tudo se encaixou perfeitamente!
Entretanto, em meados de 2012 o diretor financeiro da MANN+HUMMEL do Brasil anunciou a aposentadoria e propuseram que eu regressasse como vice-presidente de finanças. Novamente estava em uma situação complexa, porque eu e minha família já estávamos moldados à nova rotina. Mas, diante de todo o contexto, acabamos retornando. Aproximadamente quatro anos depois, passei para vice-presidente da América do Sul, supervisionando as operações da Argentina e da Colômbia. E é nesta função que estou até hoje, sempre buscando aprender e contribuir para o crescimento da empresa.
Reconheça e valorize as individualidades de cada membro da equipe
Quando o assunto é liderança, pressuponho que uma das principais características seja a capacidade de entender e gerenciar pessoas. A formação técnica é importante, e pode ser adquirida por meio de estudos e treinamentos. Mas as habilidades de reconhecer e valorizar as individualidades, em uma equipe, é primordial para extrair o melhor de cada membro e respeitar as devidas diferenças. Um time homogêneo nem sempre é ideal, pois a diversidade é o que permite que a equipe funcione de maneira equilibrada e eficiente.
É interessante essa multifuncionalidade, porque vivemos em uma era onde a rotatividade é alta, diferente dos tempos antigos, época em que as pessoas permaneciam anos na mesma função. Hoje, é imprescindível que a organização continue a operar sem interrupções, mesmo com a saída de colaboradores. Isso exige que todos sejam versáteis, desenvolvendo-se de forma contínua e sendo capazes de assumir diferentes responsabilidades.
No momento do recrutamento, busco principalmente pessoas com atitude. Durante os processos de seleção, observo se o candidato demonstra ser um team player, alguém que realmente vista a camisa da empresa. Encontrar indivíduos com essa sagacidade é um dos pontos altos para compor uma equipe coesa e motivada.
Não caia na armadilha da culpa!
Refletindo sobre as armadilhas enfrentadas pelas mulheres no ambiente corporativo, creio que um dos maiores desafios é a culpa que muitas sentem ao buscar crescimento na carreira. Frequentemente, converso com colegas que me procuram para pedir conselhos, e percebo que a culpa é um sentimento comum, principalmente entre as mulheres que tentam equilibrar suas responsabilidades profissionais e pessoais. Essa culpa pode surgir ao precisar viajar a trabalho ou ao enfrentar longas horas de expediente, enquanto os filhos esperam em casa.
Pensando no lado familiar, costumo dizer que é perfeitamente possível ser excelente, tanto na carreira quanto na vida pessoal. Não devemos sentir culpa, e sim buscar maneiras de conciliar esses dois aspectos da vida. Caso contrário, isso se torna uma armadilha que pode nos paralisar e impedir de alcançar todo o nosso potencial. Precisamos nos lembrar que nossa competência não diminui por sermos mães ou por termos outras responsabilidades fora do trabalho. Muito pelo contrário! Nossa capacidade de gerenciar múltiplas tarefas só nos torna ainda mais fortes e resilientes. Somos capazes de sermos excelentes em todas as áreas da vida. A culpa não deve ser um obstáculo em sua trajetória, e sim deve ser enfrentada e superada, para que você possa continuar avançando.
Mantendo o equilíbrio entre gastos e renda
A educação financeira é um tema que não deve ser negligenciado. Ter maturidade e não gastar mais do que se ganha; ter cautela ao usar o cartão de crédito; estas são algumas dicas simples que são sinônimos de lucidez. Acredite: muitas pessoas, especialmente os mais jovens, caem na ilusão do crédito fácil e acabam se endividando.
Outro aspecto perspicaz é não se deixar levar pela pressão em manter uma imagem. A mídia e as redes sociais frequentemente criam padrões que muitos tentam seguir, o que pode levar a gastos desnecessários com itens supérfluos. O mais sensato é definir um padrão de vida no qual você possa se sustentar, e, ao mesmo tempo, que não comprometa suas finanças.
Logo que comecei a trabalhar, quase todo o salário era destinado aos estudos, o que não me permitia poupar. No entanto, assim que alcancei um cargo melhor e passei a ganhar um pouco mais, comecei a poupar uma parte do salário. Foi com essa poupança que consegui comprar a primeira casa. Tracei objetivos claros e trabalhei para alcançá-los. Essa estratégia foi fundamental para que eu pudesse conquistar a independência financeira. Portanto, essas práticas são eficazes para garantir um futuro financeiro estável e próspero.
Sair da zona de conforto é o que faz você crescer
Sem dúvida, o maior desafio na carreira foi a mudança para os Estados Unidos, quando mergulhei em uma cultura completamente nova. Foi uma experiência intensa, e creio firmemente que sair da zona de conforto é o que realmente nos faz crescer. Não ter medo de enfrentar o desconhecido é a chave para ocorrerem as maiores transformações.
Outro fato expressivo ocorreu em 2015, no momento em que a empresa passou por uma crise gravíssima no setor automotivo. Nossa situação financeira estava comprometida e precisávamos de uma reestruturação profunda. Meu filho tinha apenas dois meses, e eu, aos 45 anos, recém-mãe novamente, precisei retornar ao trabalho para coordenar este processo ao lado do CEO e do novo presidente. Foi um período de seis meses extremamente difícil, com desligamentos e decisões complexas. Entretanto, conseguimos manter diversos empregos, e por fim, recuperamos a estabilidade.
Gerenciar tudo isso com um bebê recém-nascido foi desgastante, tanto emocionalmente quanto fisicamente. O segredo foi contar com uma rede de apoio construída ao longo de anos, que me permitiu estar presente no trabalho sem me preocupar excessivamente com o restante. Meu marido sempre foi um grande suporte. Somos unidos em todas as situações da vida e isso me fortalece bastante. Assim como a escola que escolhemos para nossos filhos e o suporte dos meus pais.
Entendo que não precisamos focar exclusivamente no trabalho durante toda a vida, mas há momentos que exigem um esforço maior. São acontecimentos momentâneos e, depois deles, o cotidiano volta ao normal. Sempre mantive a calma. Quando gostamos do que fazemos, mesmo os períodos mais difíceis se tornam mais suportáveis, pois entendemos a necessidade dessas jornadas e o ambiente se torna mais leve. Por este motivo, considero que os verdadeiros cases de sucesso estão no dia a dia. Temos realizado muitos trabalhos internos voltados ao desenvolvimento dos colaboradores e também ações sociais na comunidade. Essas conquistas diárias são o que me trazem satisfação e prazer em continuar no caminho que escolhi.
Curta a jornada e não o destino
Uma questão muito relevante que vejo, especialmente entre os mais jovens, é a busca em alcançar rapidamente altos cargos, e a falta de paciência para passar por todo o processo. Sou mãe de uma jovem de 18 anos, e percebo claramente essas características. Muitas vezes essa ansiedade surge até mesmo antes de decidirem o que querem estudar. Eles já ficam muito preocupados com o futuro. Com a abundância de informações e a facilidade de acesso a elas, administrar estes tópicos torna-se um grande desafio.
Tem uma frase que gosto de usar e sempre compartilho com minha filha: “Curta a jornada e não o destino.” Acho fundamental que os jovens, ao conseguirem o primeiro emprego, evitem querer uma promoção logo no primeiro ano. Claro que é importante pensar no futuro e traçar planos, mas é crucial focar no presente. Se nos preocupamos apenas com o destino, esquecemos de apreciar os detalhes e de nos dedicarmos ao que é importante no momento.
Durante esse percurso, procure absorver o melhor de cada profissional que cruzar com o seu caminho, pois eles contribuem muito no desenvolvimento de quem está iniciando. Através dos mais experientes, aprendemos lições amplamente valiosas, que irão nos acompanhar durante todo o tempo. Não esquecendo que a habilidade de um bom relacionamento com as pessoas, sob a construção de vínculos verdadeiros, sempre serão aspectos importantes em todas as fases. E, independentemente das dificuldades que aparecerem, nunca desanime e nem desista de seus sonhos. Afinal, é através deles que a motivação virá como consequência, e te permitirá levantar todos os dias para seguir adiante com os seus propósitos. Se algo não der certo na primeira tentativa, é preciso ser resiliente e continuar tentando. Dedique-se continuamente, aprecie o processo pelo qual esteja passando, e o destino virá naturalmente.
Livros recomendados por Maria Luisa Ferrareto
Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos, Hans Rosling, Ola Rosling, Anna Rosling. Editora Record, 2019.
Fonte: Histórias de Sucesso – Exame.