A chegada do final do ano, quando milhares de jovens enfrentam o vestibular, me faz lembrar meus tempos de juventude, quando ele representava mais do que um rito de passagem, mas simbolizava a definição de uma carreira com todas as suas implicações.
Sempre me pareceu descabida essa definição de forma tão precoce, mesmo naquela época em que a expectativa de vida mal ultrapassava 60 anos e as poucas opções se resumiam às áreas de exatas, biológicas e humanas.
Basicamente, as competências de cada um definiam as escolhas que acompanhariam por toda vida. Se desse sorte de trabalhar para uma grande empresa, seria contemplado com um plano de carreira. Sim, as boas empresas tinham um plano de desenvolvimento desenhado para os mais talentosos. Época em que muitos se orgulhavam de terem trabalhado toda sua vida numa única empresa.
São dois mundos absolutamente distintos. A evolução da Internet, dos meios de comunicação e, finalmente, a globalização da economia, criou, o que o filósofo polonês Zygmunt Bauman denominou de “Sociedade Líquida”.
No âmbito individual, uma das principais mudanças nas últimas décadas foi o aumento substancial da expectativa de vida. Hoje, quando alguém falece com menos de 80 anos, é comum ouvirmos que ainda era jovem.
Se antes já era difícil escolher uma carreira aos 18 anos, como fazê-lo nesse ambiente tão fluido em que vivemos e cujos impactos serão muito mais longevos? Sim, os jovens de hoje trabalharão por muito mais tempo, efeito direto do estrangulamento do sistema de Previdência Social diante do aumento do tempo de vida.
Ainda que sejam dois momentos distintos, refleti sobre como foram as minhas escolhas na expectativa de encontrar um fio condutor que explicasse a minha trajetória, e quem sabe, talvez pudesse ajudar outros a navegarem nesse ambiente líquido.
Por falta de habilidade com cálculo e biologia, acabei optando por Administração de Empresas, que na época me parecia mais adequado para as minhas competências.
Porém, no terceiro semestre, decidi que não queria trabalhar na função executiva e fui cursar Economia, na expectativa de saciar a minha ansiedade por entender o funcionamento do mundo.
Para encurtar a história, após concluir a graduação e o mestrado e uma rápida passagem pelo departamento econômico de um banco e pela área de investimentos da seguradora, trabalhei todo restante da minha carreira profissional na função executiva, na qual alcancei grande satisfação e realização.
Contraditório? Hoje penso que não. Sempre tive o anseio de querer compreender os mecanismos que moldam o mundo. A Economia foi a lente que escolhi para entender a realidade.
O segundo ponto, que só fui descobrir na prática, era que eu tenho uma atração especial fazer coisas, criar, assumir riscos. Sem ser engenheiro, percebi que construir era minha praia.
Então percebi que o treino que o curso de Economia me proporcionou, o raciocínio analítico, a construção de modelos poderiam ser aplicados em outros ambientes. Os óculos serviam para enxergar outros mundos. Ele seria meu veículo através do qual alcançaria as realizações almejadas.
E como essas coisas se conectaram?
No começo, eu não planejei, fui abraçando o que aparecia. Só depois que fui tendo consciência da diferença entre o veículo e o destino.
Muito provavelmente, qualquer curso que alguém faça hoje estará desatualizado ou sequer será necessário no futuro, mas isso não é motivo para ficarmos imobilizados.
Precisamos descobrir os nossos óculos, pois eles serão o veículo que nos levarão ao nosso objetivo, muito além do incialmente imaginado.
Pense, que futuro você imaginaria para alguém que se forma no curso de Letras? A maioria pensaria numa carreira como professor, certo?
Gregório Duvivier, conhecido ator e humorista brasileiro, é formado em Letras, de onde ele retira parte da matéria prima para suas criações.
O veículo é somente um instrumento e nós estamos ao volante. Somos nós que o conduzimos para quisermos ir.





