Depois de enfermeira ser ameaçada de morte por paciente em surto, Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética cobra medidas protetivas

Levantamento aponta que, em média, a cada três horas um médico sofre algum tipo de violência durante seu período laboral

Imagem: reprodução/redes sociais

Nas últimas semanas, um caso que envolve a segurança de profissionais de saúde ganhou a atenção da mídia. Uma enfermeira foi feita refém por um paciente em surto que estava internado há três dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Municipal de Morrinhos, no Sul de Goiás, onde fazia tratamento renal. A repercussão tem pelo menos dois motivos principais: primeiro, o local onde ocorreu a situação e, segundo, a ação da polícia, que terminou com a morte do paciente.

Um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta que, em média, a cada três horas um médico sofre algum tipo de violência durante seu período laboral. O estudo considera a quantidade de Boletins de Ocorrência (BOs) registrados entre 2013 e 2024 nas delegacias de todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

Desde 2013, foram registrados 38 mil BOs com relatos de médicos vítimas de ameaça, injúria, desacato, difamação e lesão corporal em hospitais, consultórios, clínicas, laboratórios, Unidades Básicas de Saúde (UBS), entre outros locais, segundo o CFM. Outro dado chama a atenção: em 47% dos casos, as vítimas são mulheres. Há, ainda, registros de mortes suspeitas desses profissionais dentro do local de trabalho.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), Raul Canal, o levantamento revela dados preocupantes, que refletem no atendimento prestado, e apresenta de forma realista o cenário a que os médicos estão submetidos, estando diariamente vulneráveis a diversos tipos de violência, inclusive correndo risco de morte durante o exercício da profissão.

“O caso que ocorreu com a enfermeira, infelizmente, não foi o primeiro e, se não houver mudanças, não será o último. É preciso criar medidas de proteção, com ações de prevenção, punição e repúdio, e políticas públicas que garantam a segurança e a integridade física desses profissionais, além de melhorar suas condições de trabalho. Quanto mais seguro e adequado for o ambiente laboral do médico, melhor será o atendimento oferecido, o que diminuirá o descontentamento dos pacientes”, analisa o especialista em Direito Médico.

Números

Em 2013, foram registrados pouco mais de 2,6 mil BOs, enquanto que em 2023, o número chegou a 3,9 mil, um aumento aproximado de 35%. Em números, significa que somente no ano retrasado foram feitos 11 BOs por dia no Brasil por conta de violência contra médicos em seus locais de trabalho. A média é de dois incidentes por hora. Além disso, 66% dos casos ocorreram em cidades do interior e foram cometidos, em sua maioria, por pacientes, familiares e desconhecidos, como aconteceu em Goiás.

Entre os estados mais violentos, São Paulo, que tem o maior número de registros médicos do País (26% do total), concentra metade desses casos de violência. Foram 18 mil das 38 mil ocorrências registradas, sendo que a média da idade dos profissionais que foram vítimas de algum tipo de violência é de 42 anos e cerca de 45% dos ataques foram contra médicas. Os locais com maior incidência são os hospitais (45%), seguido pelos postos de saúde (18%), clínicas (17%) e consultórios (9%).

Em segundo lugar, vem o Paraná, onde foram registrados cerca de 3,9 mil casos de ameaça, assédio, lesão corporal, desacato, entre outros, entre 2013 e 2024. A capital, Curitiba, reúne 12% dos registros. Em terceiro lugar, está Minas Gerais, com 3,6 mil BOs, sendo 22% em Belo Horizonte.
 

Medidas

Desde 2018, o CFM realiza ações em seu site e redes sociais, orientando os médicos sobre como agir em casos de ameaças ou agressões, incentivando-os a denunciar os abusos. No caso de ameaça, o profissional deve fazer um BO, informar, por escrito, às diretorias clínica e técnica do local onde trabalha sobre o fato e apresentar os dados dos envolvidos e das testemunhas.

No caso de envolver agressão física, o médico precisa ir à delegacia mais próxima e registrar o BO presencialmente, pois será necessário fazer o exame de corpo de delito, além de apresentar os dados dos envolvidos e das testemunhas e comunicar às diretorias para que outro profissional assuma suas funções.

Recentemente, a deputada federal Dra. Mayra Pinheiro (PL-CE) criou o Projeto de Lei n.o 4002/2024, que requer que todo tipo de violência física praticada contra médicos e profissionais de saúde seja considerado crime hediondo. Na legislação brasileira, esse termo jurídico é utilizado para designar crimes que, pela sua gravidade e natureza, causam grande repulsa social, como homicídio qualificado, latrocínio e tráfico de drogas.

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