É incrível observar a força que alguns conceitos exercem sobre nós, moldando nossas atitudes e expectativas. Eles continuam atuando mesmo depois de constatarmos racionalmente que as evidências indicam o contrário.
Nos agarramos ao nosso conceito inicial, pensando, às vezes, que a evidência amostral está viesada, ou, se é válida, representa uma situação muito particular que não invalida a regra geral, de modo que as nossas crenças continuam válidas.
Acreditamos naquilo que queremos acreditar e criamos uma série de explicações para justificar a nossa atitude.
Uma característica da nossa mente é a busca por explicações, não se importando com a lógica ou racionalidade por trás dessas respostas. Ela se contenta facilmente, bastando que valide seus preconceitos e desejos internalizados. A nossa mente é preguiçosa e a iniciativa de questionar, buscar novos entendimentos requer dispêndio de energia que a nossa mente não faz voluntariamente. Requer iniciativa do pensador.
De acordo com DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais produzido pela Associação Americana de Psiquiatria) “medo é uma reação emocional a uma ameaça eminente, seja real ou percebida, enquanto a ansiedade é uma antecipação de uma ameaça futura”.
Analogamente a ansiedade, na qual sofremos antecipadamente por uma ameaça futura, também queremos gozar antecipadamente o “paraíso” prometido e sofremos diante da decepção com o presente.
O mercado nos vende o que queremos comprar, identificando ou criando necessidades. Não gostamos de imprevistos, lidamos mal com falta a de segurança e preguiçosamente nos refugiamos em algumas “verdades” que nos proporcionam o conforto diante de tantas incertezas e durezas da vida.
O dramaturgo grego Aristófanes nos vendeu a ideia que os Deuses cortaram os humanos ao meio, e tudo que tínhamos de fazer para vivermos o amor perfeito era encontrarmos a nossa outra metade.
Quem não se lembra dos finais dos filmes da Disney, nos quais o Príncipe se casa com a heroína e ao fundo uma voz anuncia: “e viveram felizes para sempre”.
E por que estas histórias tem tanta aderência?
Porque elas são a representação dos nossos desejos de encontrarmos o amor perfeito, a nossa cara metade. Assim como nosso desejo de vivermos num mundo fraterno, sem fronteiras (lembra da música “Imagine” do John Lennon?).
Sem dúvida, são desejos legítimos. Mas os jardins não são obras na natureza, para que eles se formem e se mantenham bonitos, é necessário muito trabalho e principalmente manutenção para que o mato e as ervas daninhas não venham dominá-los. É um trabalho permanente de manutenção. Amor também é um exercício de construção e manutenção. Requer esforço, dedicação e muita negociação das partes. Casamento é só um passo inicial, resta todo mais para ser construído. Mas falar que o casamento é só o passo inicial, e que o trabalho duro está por vir, não é um enredo destinado a ter sucesso comercial.
Viver o presente requer muita disciplina e coragem, para entendermos como as nossas feridas ocultas do passado estão modelando a nossa ansiedade, e como a nossa frustração, por não vivermos no “paraíso”, está atrasando a pavimentação do caminho que possa nos conduzir ao destino desejado.
É o balanço, o equilíbrio entre viver o presente sem perder de vista as ameaças e os desejos futuros. Como distribuo a minha energia entre esses dois polos é a chave para ter uma vida mais efetiva.
Assim como jardins, as empresas não são naturalmente bonitas e organizadas. Como qualquer entidade viva, ela está em permanente mutação, direcionada, entre outras coisas, pelo sistema de incentivos vigente.
Em empresas nas quais o mercado acionário, conselho, etc , exercem uma pressão por resultados de curto prazo, em desequilíbrio com os objetivos com os objetivos de longo prazo, cria-se um ambiente favorável a surgimento de lideranças caracterizadas pela ética do comportamento em vez da ética do caráter, com a consequente predominância de lideranças com traços narcisistas e até psicopatas.
Precisamos internalizar que não existe almoço grátis. Não existe uma cara metade à nossa espera, não é natural um jardim ser bonito, as empresas são feitas por pessoas, e as pessoas não são perfeitas. Precisamos ter clareza de onde estamos e quais são os nossos objetivos de longo prazo, quais batalhas e guerras queremos lutar, e pormos a mão na massa para construirmos nosso futuro.
“… é de batalhas que se vive a vida” (da música Tente Outra Vez, de R. Seixas; M. Motta e P. Coelho)