O etanol pode ressurgir como um ponto central na disputa comercial entre Brasil e Estados Unidos. Fontes do setor sucroenergético brasileiro manifestam preocupação de que o ex-presidente Donald Trump utilize a alta taxa de importação de 18% que o Brasil aplica sobre o etanol norte-americano como trunfo em negociações bilaterais. A medida visaria reduzir ou eliminar o chamado “tarifaço” brasileiro em troca de concessões comerciais dos EUA.
O alerta foi aceso após a visita do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, ao Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, na última quinta-feira (16). Embora não tenham sido divulgados detalhes específicos sobre os itens discutidos, a questão tarifária do biocombustível é vista como uma potencial moeda de troca nas tratativas. O setor sucroenergético nacional, que teme uma abertura abrupta do mercado, está em estado de vigilância.
Desde fevereiro, quando intensificou seu foco no Brasil, Trump tem argumentado que a relação tarifária entre os países é “injusta”. Atualmente, o etanol brasileiro paga uma alíquota de apenas 2,5% para entrar nos EUA, enquanto o produto norte-americano enfrenta a taxa de 18% ao ingressar no mercado brasileiro. A pressão política nos EUA se intensificou devido aos produtores de milho, matéria-prima do etanol de milho, que buscam desesperadamente escoar o excedente da safra em meio à perda de espaço no mercado chinês.
Os Estados Unidos são o maior produtor global de etanol de milho e, segundo o Departamento de Agricultura (USDA), a safra deste ano deve atingir 427 milhões de toneladas do grão. “Nesta safra, os Estados Unidos estão encontrando dificuldades para escoar o milho, especialmente para a China. Por isso, Trump precisa resolver esse impasse, que é uma demanda dos produtores locais”, explicou Dudu Hammerschmidt, vice-presidente do Grupo Potencial.
O cenário de intensa guerra comercial entre China e EUA fez com que o país asiático reduzisse drasticamente suas compras de milho americano, priorizando fornecedores como a Rússia, que exportou 287 mil toneladas do grão para a China de janeiro a setembro deste ano.
O alívio na tarifa de importação brasileira abriria um canal de exportação imediato para o etanol dos EUA. Isso ocorreria em um momento estratégico, já que o Congresso americano debate ampliar a mistura de etanol na gasolina de 10% (E10) para 15% (E15) durante o ano todo, o que elevaria a demanda interna. Sem barreiras no Brasil, o excedente do produto norte-americano teria um destino garantido.
Apesar da tarifa de 18%, as exportações de etanol dos EUA para o Brasil já estão em alta. A consultoria Datagro projeta que os EUA exportarão 650 milhões de litros para o Brasil na safra 2025/26, um crescimento de 160% em relação à safra anterior. Este aumento é impulsionado pela elevação obrigatória da mistura de etanol na gasolina brasileira de 25% para 30% em agosto, além de uma quebra na produção nacional de etanol de cana. Paralelamente, os EUA registraram um recorde de US$ 7,5 bilhões em exportações globais de etanol em 2024.
A redução para zero na tarifa de importação seria imediatamente benéfica para o agronegócio americano. No Brasil, o etanol de milho americano teria vantagem competitiva imediata no Nordeste, uma região com déficit estrutural de oferta. O produto poderia chegar até 15% mais barato do que o nacional, com a logística facilitada pela proximidade com o porto de Houston. Esse movimento reduziria a necessidade de transferências anuais de etanol do Centro-Sul para o Norte e Nordeste, estimadas em 1 bilhão de litros, e pressionaria os preços em todo o país.
Em contrapartida, as gigantes brasileiras do setor sucroenergético alertam que a redução abrupta da tarifa de 18% para 0% colocaria o etanol americano em vantagem injusta. O argumento é que os Estados Unidos subsidiam o milho e, por extensão, o etanol de milho, o que na visão do setor brasileiro, “distorce” a competição no mercado de biocombustíveis.
*Com informações do portal Exame