Durante o Campinas Innovation Week, a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio (Fundepag) promoveu um painel que destacou a urgência de integrar inovação e sustentabilidade para transformar o agronegócio brasileiro. O conceito de inovabilidade — que une esses dois pilares — foi apresentado como a estratégia principal para modernizar as cadeias produtivas, fortalecer parcerias estratégicas e responder às crescentes demandas do mercado global, cada vez mais atento aos impactos socioambientais. Para a Fundepag, essa convergência é fundamental não só para garantir competitividade, mas também para construir um futuro regenerativo e ético para o setor.
O diretor-presidente da Fundepag, Álvaro Duarte, conduziu o painel ao lado do Idealizar e gestor do Tropical Foods, Paulo Silveira; da diretora Geral do Ital – Instituto de Tecnologia de Alimentos, Eloísa Garcia; e da especialista em inovação da Fundepag, Luciana Akissue Teixeira. Antes do debate, Duarte ressaltou os princípios da inovabilidade e seu papel central para enfrentar os desafios atuais do agronegócio.
Segundo ele, não é possível pensar em desenvolvimento sem levar em conta os impactos sociais e ambientais. “Inovação e sustentabilidade são inseparáveis, não há uma sem a outra. Essa visão integrada, é fundamental para compreender a evolução da humanidade e para gerar valor de forma duradoura”.
Entre os principais pilares do conceito, diretor-presidente destacou a criação de valor compartilhado, o foco em critérios ESG desde a origem dos projetos, e a necessidade de alinhar inovação à geração de impacto positivo para o planeta e a sociedade. As soluções, segundo ele, devem nascer com essa mentalidade e ser capazes de equilibrar viabilidade econômica com propósito social e ambiental.
“Estamos falando de inovabilidade aberta, de um pensamento sistêmico e colaborativo”, afirmou Duarte. Ele defendeu que múltiplos atores — como centros de pesquisa, empresas, governos, startups e sociedade civil — devem atuar juntos no desenvolvimento de soluções sustentáveis. “A junção entre ciência e mercado é o que permite avanços relevantes”.
Outro ponto levantado foi o papel do desenvolvimento regenerativo e de baixo impacto. Tecnologias e modelos de negócio que regenerem ecossistemas, reduzam desigualdades e combatam as mudanças climáticas precisam ser prioridade, mesmo diante de tendências contrárias no cenário internacional. Essas práticas são fundamentais para a sobrevivência da humanidade.
A adoção da inovabilidade também responde a pressões crescentes, como as mudanças no clima, a escassez de recursos, as novas exigências regulatórias e o aumento da desigualdade. Além disso, a sociedade e o mercado têm pressionado por posicionamentos mais claros. “Os menores investidores e os talentos estão cada vez mais orientados ao propósito, não só ao lucro. As pessoas querem criar valor com sentido”, disse Duarte.
Organizações que incorporam inovação e sustentabilidade à sua estratégia conquistam vantagens competitivas no longo prazo. Tornam-se mais resilientes, aumentam sua reputação e ganham capacidade de adaptação. Ao mesmo tempo, essas práticas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dando às empresas uma contribuição concreta para metas globais.
Na prática, aplicar esse conceito exige um desenho centrado no impacto. Duarte destacou a importância de desenvolver produtos e serviços com propósito claro e efeitos mensuráveis, promover parcerias com startups e instituições de pesquisa voltadas à sustentabilidade, estimular a cultura de inovação responsável e investir em tecnologias limpas e sociais — com ênfase em energias renováveis, economia circular e desenvolvimento social.
“Inovar sem pensar na sustentabilidade é avançar sem direção. Sustentar sem inovar é perder competitividade”, sintetizou Duarte. Ainda, segundo ele, a verdadeira transformação está na convergência entre os dois caminhos, “por isso a inovabilidade é o único caminho viável para um futuro ético, competitivo e regenerativo. Estamos redesenhando o futuro. O desafio está posto, e a resposta passa por projetos que gerem valor, cuidem do planeta e melhorem a vida das pessoas”, concluiu.
Paulo Silveira, do Tropical Food Innovation Lab, e Eloísa Garcia, do CCD Circula, discutiram a importância de estruturar a inovação aberta com propósito e colaboração para gerar impacto real. A partir de experiências práticas, ambos destacaram que conectar diferentes atores, tecnologias e missões é fundamental — desde que com uma visão clara de transformação socioambiental.
Silveira observou que a abertura das grandes empresas à inovação tem avançado, ainda que lentamente. “Hoje, algumas já compartilham seus desafios no início do ano, buscando soluções dentro e fora do Brasil”, afirmou. Ele defende ecossistemas compostos por startups com DNA inovador, inseridas em clusters como o de Campinas. Apesar do potencial, aponta a falta de estrutura como obstáculo à disrupção. “Temos boas ideias, mas sem metodologia e validação, o investimento não faz sentido”.
Eloísa trouxe a experiência do CCD Circula, iniciativa que envolve nove Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) e sete empresas privadas, com foco em soluções sustentáveis e economia circular. Para ela, considerar os impactos ambientais e sociais desde o início é indispensável. “Inovar sem essa visão é perigoso. Nem tudo que parece sustentável de fato é”, alertou.
Ela destacou dois projetos financiados pela Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo — um voltado ao uso de ingredientes saudáveis e outro à gestão de resíduos sólidos urbanos — que envolvem desde o desenvolvimento de tecnologias de baixo impacto até ações de logística reversa e valorização de catadores. “Temos plataformas dedicadas à educação para a circularidade e à segurança de embalagens recicladas. Inovação aberta é sobre resolver, juntos, desafios que nenhuma empresa enfrenta sozinha.” Para Eloísa, embora o ritmo ainda seja lento, há empresas comprometidas com esse caminho, e o desafio agora é ampliar e dar perenidade a essas redes.
Durante o evento, Luciana Akissue Teixeira apresentou as principais iniciativas da Fundepag voltadas à promoção de uma agricultura mais sustentável, rastreável e conectada com o mercado internacional. A proposta principal é enfrentar os gargalos do modelo tradicional de produção agropecuária brasileira por meio de um novo modelo que una inovação aberta, governança multissetorial e compromisso ambiental.
Luciana apontou as fragilidades do modelo convencional de produção agropecuária, amplamente baseado no uso intensivo de insumos químicos e fertilizantes sintéticos. Segundo ela, além de provocar a degradação do solo, essa abordagem implica altos custos para os produtores, o que resulta em margens reduzidas e menor rentabilidade. Outro problema levantado é a insegurança sobre a origem dos produtos, um fator que vem sendo cada vez mais questionado pelos mercados internacionais.
A imagem do Brasil como potência agroexportadora também tem sido afetada por críticas à sua performance ambiental, o que tem gerado desconfiança nos mercados mais exigentes. Entre as exigências mais recorrentes estão a descarbonização da cadeia, a rastreabilidade desde a origem e o compromisso com práticas sustentáveis. Além disso, Luciana destacou que os gargalos logísticos ainda comprometem o posicionamento do Brasil no cenário global.
Diante desse cenário, a Fundepag estruturou um novo programa de inovação aberta, com base nas experiências adquiridas em projetos anteriores, como o CCD Circula. O diferencial está em construir uma plataforma integrada que conecta todos os elos da cadeia produtiva, do produtor rural ao varejo, com suporte técnico baseado em uma metodologia de análise multicritério desenvolvida por pesquisadores da fundação. Esse modelo avalia aspectos ambientais, sociais, econômicos, culturais e de governança, gerando um “score de sustentabilidade” de zero a um, que sintetiza o desempenho produtivo em múltiplas dimensões.
Além do diagnóstico técnico, essa plataforma visa propor protocolos de produção regenerativa, que priorizam o uso de insumos biológicos e técnicas em substituição a fertilizantes convencionais. Também está prevista a implantação de sistemas de rastreabilidade e certificação ao longo de toda a cadeia produtiva, garantindo transparência e confiabilidade para o consumidor final.
Outro componente importante da estratégia é a conexão direta com mercados compradores, inclusive internacionais, fortalecendo o elo entre o campo e a mesa. Isso permitirá ao produtor acessar remuneração por serviços ambientais, por meio da estruturação de Créditos de Biodiversidade e Recursos Verdes (CBRs verdes), o que valoriza não apenas a produção em si, mas também os benefícios socioeconômicos e ambientais gerados por essas práticas.
O modelo de governança do programa é inspirado na experiência do CCD Circula. A Fundepag será responsável pela coordenação, firmando acordos de parceria com instituições que atuarão como fundadoras ou apoiadoras, a depender do nível de envolvimento. “É fundamental termos regras claras de interação entre os atores, para garantir harmonia durante a execução e evitar conflitos futuros”, afirmou Luciana.
A estrutura do programa já começou a sair do papel, com dois projetos-piloto em andamento. O primeiro é financiado pela fundação britânica Jacobs Foundation for the Future e está sendo executado pela Fundepag em parceria com o Instituto Imaflora e a consultoria britânica AgriTIERRA. Esse projeto será realizado nos estados do Pará, Rondônia e Acre, com foco em atuação junto a comunidades locais – produtores, setor público e setor privado. Entre as atividades previstas estão workshops de inovação aberta para co-criação de protocolos de rastreabilidade, mapeamento de lacunas de conhecimento, incentivo à diversificação da produção (com culturas como cacau, castanha e borracha) e articulação com mercados que reconhecem o valor ambiental e social desses produtos.
“Nosso objetivo é criar um modelo de produção regenerativa que seja escalável, que aumente a renda do produtor, integre cadeias de valor e, acima de tudo, reduza a pressão por desmatamento. Se o produtor tiver renda adequada por produzir de forma sustentável, não precisará desmatar novas áreas”, defendeu Luciana. Ela destacou ainda que, embora o projeto tenha começado oficialmente em junho, ele já parte de metodologias consolidadas desenvolvidas por pesquisadores envolvidos.
O segundo projeto foi estruturado com apoio da agência de cooperação alemã RACA, em parceria com a empresa Siemens e a própria Fundepag. A proposta é desenvolver um sistema digital integrado de rastreabilidade e medição da pegada de carbono em toda a cadeia produtiva, do plantio à exportação. Por meio de um QR Code, será possível acompanhar em tempo real o histórico da produção, com dados consolidados por um identificador único.
Luciana encerrou sua apresentação afirmando que é possível enfrentar grandes desafios do agro brasileiro com inovação e sustentabilidade, desde que haja união entre diferentes atores e um ambiente seguro para a cooperação. “Para isso, precisamos de governança e instrumentos jurídicos que deem segurança às interações. Com isso, podemos construir juntos o futuro da agricultura regenerativa”, concluiu.