A Kering, conglomerado proprietário da Gucci, anunciou a venda de seu negócio de beleza para a gigante francesa L’Oréal por impressionantes 4 bilhões de euros (cerca de US$ 4,66 bilhões). A transação marca uma guinada estratégica significativa sob a liderança do novo CEO, Luca de Meo, que busca atacar a elevada dívida do grupo de luxo e concentrar os esforços no seu core business de moda.
O acordo estabelece que a L’Oréal adquirirá a linha de fragrâncias Creed da Kering — comprada pelo ex-CEO François-Henri Pinault em 2023 por 3,5 bilhões de euros — e, crucialmente, obterá direitos exclusivos de 50 anos para desenvolver fragrâncias e produtos de beleza sob as principais marcas de moda da Kering, incluindo Bottega Veneta e Balenciaga. A L’Oréal também garantirá a licença da Gucci por um período similar de 50 anos, após a expiração do atual acordo com a Coty (COTY.N), que analistas estimam durar até 2028.
Apesar de a venda já ter sido ventilada antes de Luca de Meo assumir em setembro, fontes familiarizadas com o assunto indicam que o executivo italiano acelerou drasticamente as negociações com a L’Oréal neste mês. Analistas do mercado reagiram à notícia. “Acreditamos que vender a Kering Beauté pelo mesmo preço pago pela Creed há dois anos é um remédio amargo, mas necessário”, afirmaram analistas da Bernstein.
A aquisição da Kering Beauty será a maior da história da L’Oréal, superando a compra da marca australiana Aesop por US$ 2,5 bilhões em 2023. Para os analistas da Bernstein, a operação faz sentido estratégico, com a marca Creed sendo vista como um ativo altamente atraente no crescente segmento de fragrâncias de luxo. Após o anúncio, as ações da Kering subiram 4,7%, enquanto as da L’Oréal valorizaram 1,4%. A venda representa um passo fundamental para reduzir a dívida líquida da Kering, que estava em 9,5 bilhões de euros no final de junho, somada a 6 bilhões de euros em passivos de arrendamento de longo prazo, fatores que têm gerado preocupação entre os investidores.
A decisão de De Meo representa uma mudança de direção em menos de dois meses de gestão, desfazendo uma das maiores mudanças estratégicas implementadas por seu antecessor, François-Henri Pinault. A Kering havia criado sua divisão de beleza em 2023, após a aquisição da Creed, com o objetivo de diminuir sua dependência da Gucci, que gera a maior parte dos lucros do grupo.
Contudo, o conglomerado francês tem enfrentado dificuldades em alavancar o novo negócio, que registrou um prejuízo operacional de 60 milhões de euros no primeiro semestre do ano. Além disso, a Gucci tem apresentado queda de crescimento, com a receita caindo 25% no último trimestre divulgado, pressionada pela desaceleração da demanda no mercado chinês, intensificando a necessidade da Kering de reduzir o endividamento e evitar rebaixamentos de crédito.
O CEO De Meo já havia sinalizado aos acionistas que tomaria “decisões difíceis” para reduzir a dívida, incluindo a racionalização e reorganização do grupo. Recentemente, a empresa adiou planos de adquirir totalmente a marca italiana Valentino e pretende vender participações em seus imóveis para levantar capital.
A L’Oréal, fabricante de marcas como Maybelline e CeraVe, já possui experiência no segmento de luxo, produzindo perfumes de sucesso sob a marca Yves Saint Laurent, cujos direitos foram adquiridos da própria Kering em 2008 por 1,15 bilhão de euros. As duas empresas também anunciaram a criação de uma joint venture para oferecer experiências e serviços a clientes de luxo.
O segmento de fragrâncias, que representou cerca de 14% da receita da L’Oréal em 2024 (segundo Bernstein), cresceu em dígitos duplos no segundo trimestre, superando o desempenho do setor. Para o consultor Bruno-Roland Bernard, a L’Oréal deve estar motivada para obter as licenças de marcas prestigiosas e relativamente subdesenvolvidas da Kering e pode ter se beneficiado de uma posição de barganha favorável, dada a pressão de tempo sobre a Kering e a limitação de concorrentes com o poder de fogo necessário para a aquisição.
Não está claro como este negócio afetará as negociações entre a L’Oréal e o grupo Armani, que, segundo o testamento do falecido designer Giorgio Armani, nomeou a L’Oréal como uma das compradoras preferenciais de uma participação minoritária em sua casa de moda. A transação entre Kering e L’Oréal, que contou com a assessoria da Evercore e Centerview para a Kering e Bank of America e Rothschild para a L’Oréal, tem previsão de ser concluída no primeiro semestre de 2026.