Em um cenário onde empresas de tecnologia buscam mitigar os impactos do uso excessivo das redes sociais, uma nova pesquisa indica que iniciativas de autocontrole podem gerar o efeito inverso. Usuários do TikTok que são menos céticos em relação à publicidade tendem a passar ainda mais tempo no aplicativo quando expostos a ferramentas que incentivam pausas e limites de uso.
O levantamento, conduzido por Christopher Newman, professor da Universidade do Mississippi, em parceria com Emma G. Galvan, professora assistente de marketing da Georgia Southern University, foi publicado na revista Journal of Public Policy and Marketing. O estudo analisou o comportamento de uso diário do TikTok para avaliar os impactos de lembretes internos e configurações de limite de tempo no engajamento da audiência.
“Foi a primeira vez que documentamos um fenômeno que chamamos de ‘paradoxo do detox digital’”, explica Newman. “Curiosamente, os mecanismos voluntários de moderação oferecidos pelo TikTok aumentaram a frequência e a duração do uso entre usuários menos desconfiados de práticas publicitárias.”
O TikTok, que conta com mais de 1,5 bilhão de usuários ativos mensalmente no mundo — sendo os Estados Unidos seu maior mercado, com mais de 135 milhões de usuários — tem sido um ponto de atenção constante para legisladores e especialistas em saúde mental, especialmente diante de seu apelo entre o público jovem.
O estudo, originalmente reportado pelo Tech Xplore,revela que usuários com menor grau de ceticismo percebem as ferramentas de bem-estar digital como um gesto de autenticidade da plataforma, o que acaba fortalecendo sua conexão com o app. O resultado é paradoxal: a tentativa de frear o uso intensifica o engajamento.
Por outro lado, indivíduos mais críticos e atentos às estratégias de comunicação da marca mostraram pouca ou nenhuma mudança no comportamento, ignorando os alertas e limites sugeridos pelo próprio aplicativo.
“Esse estudo se torna ainda mais relevante diante de propostas regulatórias como o Social Media Addiction Reduction Technology Act, que busca limitar o impacto negativo do uso desenfreado de redes sociais”, destaca Newman. “Identificamos um grupo particularmente vulnerável — consumidores com menor resistência a mensagens comerciais — que precisa ser contemplado no desenho de políticas públicas e ações educativas.”
O professor também faz um alerta: embora o aumento do ceticismo possa tornar o usuário menos suscetível à manipulação, ele também pode reduzir a eficácia de estratégias legítimas de autocontrole digital.
Para quem deseja gerenciar melhor seu tempo de tela, a recomendação dos pesquisadores é adotar práticas autônomas e conscientes, como estabelecer metas pessoais ou usar cronômetros externos, em vez de depender exclusivamente de soluções oferecidas pelas próprias plataformas.
Entre os participantes universitários da pesquisa, a média de tempo gasto com redes sociais variava entre seis e sete horas diárias — em alguns casos, ultrapassando dez horas por dia. Essa constatação evidencia a necessidade de se compreender com mais profundidade os efeitos reais das ferramentas de moderação digital nos hábitos de consumo.
“Crianças e adolescentes, por exemplo, ainda não desenvolvem plenamente a capacidade de identificar motivações ocultas em estratégias de marketing, o que os torna mais suscetíveis a conteúdos pagos e estímulos comerciais disfarçados”, observa Galvan. “Quanto maior a exposição ao longo da infância e adolescência, maior o risco de desenvolver dependência e comportamentos compulsivos em relação às telas.”
A pesquisa reforça o papel fundamental dos pais, educadores, reguladores e gestores de produto em compreender os limites da autorregulação algorítmica e desenvolver abordagens mais eficazes — e personalizadas — para promover o uso saudável da tecnologia, especialmente entre públicos vulneráveis.