O avanço acelerado da inteligência artificial no ambiente corporativo tem desencadeado uma reação silenciosa, mas preocupante: o medo de ser substituído. De forma crescente, trabalhadores de diferentes áreas relatam ansiedade e insegurança diante da possibilidade de substituição por tecnologias cada vez mais autônomas. O impacto não é apenas operacional – ele já se faz sentir no bem-estar mental dos times, desafiando diretamente o departamento de Recursos Humanos das empresas.
Ainda que a IA traga ganhos inegáveis de produtividade, eficiência e redução de tarefas repetitivas, seu uso também abre espaço para dúvidas existenciais sobre o futuro das profissões. Segundo pesquisa da NordVPN, 17% dos brasileiros temem ser substituídos pela IA em seus empregos, enquanto 27% acreditam que a tecnologia está evoluindo rápido demais. Além disso, 35% dos entrevistados estão estudando sobre IA para se preparar melhor para o futuro. O sentimento é mais evidente em setores administrativos e de atendimento, onde os avanços da automação se tornaram mais visíveis no dia a dia.
“O medo de ser substituído não é irracional – ele vem de um processo de mudança real e muito rápido. Mas a maneira como as empresas lidam com esse sentimento faz toda a diferença”, explica Renan Conde, especialista em gestão de pessoas e CEO Brasil da Factorial, startup unicórnio desenvolvedora de software para gestão e centralização de processos de RH e DP. Para ele, o papel do RH nesse contexto é essencial: acolher, escutar e trazer clareza. “As pessoas precisam entender como a IA pode atuar ao lado delas, e não contra, mas de fato, humanos que se comportam como máquinas, serão substituídos”, completa.
Ainda que muitas empresas estejam adotando soluções de inteligência artificial com foco em ganho de eficiência, nem sempre essa transição é acompanhada de uma comunicação clara com os times. A ausência de diálogo e de iniciativas que envolvam os colaboradores no processo de inovação pode acentuar sensações de exclusão e incerteza.
Para Conde, é nesse ponto que o papel do RH se torna estratégico – não apenas como executor de mudanças, mas também como guardião do equilíbrio emocional das equipes. Ele explica que os líderes de RH precisam estar atentos aos sinais: queda de produtividade, aumento de afastamentos e perda de engajamento podem ser reflexos diretos da ansiedade relacionada ao futuro profissional. “Muitas vezes, a causa não está na carga de trabalho em si, mas na insegurança sobre o que está por vir”, pontua.
Empresas como a Microsoft criaram programas internos que incentivam os funcionários a participarem ativamente no desenvolvimento e teste de novas soluções de IA, fortalecendo a sensação de pertencimento e inovação compartilhada. Já o Google incentiva seus engenheiros a dedicar tempo a projetos pessoais que possam impactar a empresa, promovendo um ambiente de inovação contínua.
Outro ponto importante é manter a comunicação clara e transparente sobre as transformações em curso. Spotify e Netflix, por exemplo, são conhecidos por promoverem uma comunicação extremamente aberta sobre mudanças tecnológicas e suas implicações, o que ajuda a construir confiança e engajamento.
Por fim, a saúde mental precisa ser uma prioridade para garantir um ambiente saudável e inovador. Algumas empresas estão investindo em parcerias com plataformas para oferecer apoio emocional estruturado, reconhecendo que a saúde mental é um pilar essencial para a inovação sustentável.
“Quando as pessoas entendem que a tecnologia pode libertá-las de tarefas mecânicas e abrir espaço para o pensamento estratégico, a relação com a IA muda completamente. Transforma-se em uma ferramenta de potencialização, e não de substituição”, ressalta Conde. Para os próximos anos, a tendência é que esse dilema se intensifique. As empresas que conseguirem equilibrar eficiência tecnológica com cuidado genuíno com as pessoas estarão mais preparadas não apenas para inovar, mas para reter talentos, manter o engajamento e construir culturas organizacionais mais resilientes.