A escalada das queimadas ilegais no Brasil atingiu níveis alarmantes, com Minas Gerais se consolidando como um dos epicentros desta crise ambiental. Somente nos nove primeiros meses deste ano, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas registrou impressionantes 18.972 focos de incêndio em áreas de vegetação, o que representa uma média de 150 ocorrências por dia em setembro.
Dados da ONG MapBiomas revelam a dimensão histórica do problema: mais de 10 milhões de hectares do território mineiro, o equivalente a cerca de 17% do estado, já foram queimados ao menos uma vez nas últimas quatro décadas. Embora o período entre 2014 e 2023 tenha sido marcado por uma intensificação contínua dos incêndios, o ano de 2024 se destacou negativamente como um dos mais críticos, com quase 471 mil hectares consumidos pelo fogo.
As áreas mais afetadas se concentram nos biomas Cerrado e Mata Atlântica, com destaque para regiões de agropecuária e formações savânicas típicas do Cerrado, onde o fogo se alastra com maior facilidade. O impacto tem sido sentido inclusive em áreas urbanas, como em Belo Horizonte, onde o Parque Municipal Ursulina de Andrade Mello perdeu 60% de sua cobertura vegetal em apenas dois grandes incêndios ocorridos nos últimos cinco anos. Diante disso, a administração municipal deu início a um processo de reflorestamento da área.
O biólogo e professor da Afya Contagem, André Luiz Zaidan, explica os impactos ecológicos das queimadas sobre os biomas localizados em Minas Gerais. “A Mata Atlântica, por ser um bioma úmido e não adaptado ao fogo, sofre impactos severos. As queimadas causam alta mortalidade de flora e fauna, dificultam a regeneração natural e empobrecem a floresta. Com isso, há perda de funções ecológicas essenciais, como o sequestro de carbono e a regulação do ciclo da água”.
Já o Cerrado, o especialista esclarece que, apesar de ser um bioma adaptado ao fogo natural (com plantas que possuem cascas espessas, gemas subterrâneas e sementes resistentes), o aumento da frequência e intensidade das queimadas, geralmente causadas por ação humana, ultrapassa esse equilíbrio, levando à perda de biodiversidade, à degradação do solo e favorecendo a invasão de espécies exóticas.
Diante de um cenário preocupante, que compromete não apenas a biodiversidade, mas também outros setores da sociedade, o Governo de Minas Gerais e o Corpo de Bombeiros assinaram, um Protocolo de Intenções com representantes do agronegócio mineiro. A iniciativa tem como objetivo ampliar e fortalecer as ações de prevenção a incêndios no meio rural.
“As estratégias mais eficazes combinam restauração ativa e manejo adaptativo. Avalia-se o impacto do fogo e, a partir disso, são aplicadas ações como controle da erosão, cercamento e uso de barreiras vivas para facilitar a regeneração natural. Em áreas mais degradadas, há reintrodução de espécies nativas, especialmente as que ajudam na dispersão de sementes e fixação de nitrogênio. O controle do fogo também é essencial, com monitoramento e prevenção em épocas críticas. Além disso, combatem-se espécies invasoras, que se aproveitam do solo exposto. A educação ambiental e o envolvimento das comunidades locais são fundamentais para evitar queimadas provocadas por ação humana.”
Minas Gerais possui a maior área plantada de florestas do país, com mais de 2,3 milhões de hectares, além de extensas unidades de conservação e uma ampla variedade de cultivos. A urgência da medida se justifica pelos impactos financeiros avassaladores: segundo estimativas da Emater-MG, somente entre os meses de agosto e setembro do ano passado, os prejuízos provocados por incêndios no campo ultrapassaram R$1,2 bilhão.
O advogado ambiental da Afya Sete Lagoas, Deilton Ribeiro Brasil, informa que quem realiza queimadas ilegais, especialmente em áreas de preservação ou propriedades privadas, pode ser responsabilizado nas esferas penal, administrativa e civil.
Na esfera penal, o artigo 41 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) prevê pena de reclusão de dois a quatro anos e multa para quem causar incêndio em floresta ou vegetação nativa, e detenção de seis meses a um ano e multa se o crime for culposo, ou seja, sem intenção. Na esfera administrativa, o Decreto nº 6.514/2008, alterado pelo Decreto nº 12.189/2024, estabelece multas de R$ 10 mil por hectare ou fração em casos de incêndio em vegetação nativa e de R$ 5 mil por hectare ou fração em florestas plantadas, valores que podem ser dobrados quando houver uso intencional de fogo ou o dano atingir terras indígenas. Já na esfera civil, conforme o artigo 14, §1º da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), o responsável é obrigado a reparar integralmente os danos causados, independentemente de culpa.
Apesar da existência de um conjunto legal robusto, o sistema jurídico brasileiro enfrenta diversos desafios para punir efetivamente os responsáveis por queimadas ilegais. “Entre as principais dificuldades estão a insuficiência de fiscais e a carência de estrutura adequada nos órgãos ambientais, a complexidade para identificar os autores diretos dos incêndios, além da lentidão dos processos administrativos e judiciais. Outro problema frequente é a baixa efetividade na cobrança das multas aplicadas”, conclui o advogado da Afya Sete Lagoas.