Em um mundo cada vez mais comprometido com a sustentabilidade, o ESG – sigla em inglês para Environmental, Social, and Governance (Ambiental, Social e Governamental) – já não é apenas um conceito empresarial. No Brasil, mais de 70% das empresas listadas na B3 adotaram políticas ESG, e essa tendência continua a crescer. No epicentro dessa transformação está a Indústria Brasileira de Árvores, um setor que não apenas contribui para a economia nacional, mas também desempenha um papel fundamental no combate às mudanças climáticas.
Com práticas inovadoras e o uso de energia limpa, o setor de árvores cultivadas – responsável por produtos que vão desde a celulose ao carvão vegetal – exemplifica como o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental podem andar de mãos dadas. Mais do que nunca, a pergunta que se impõe é: como essas empresas estão moldando o futuro sustentável do Brasil e do mundo?
A cadeia produtiva que abrange essa indústria é extensa e fabrica materiais como: celulose, viscose, papel, embalagens, tissues, pisos laminados, painéis de madeira, carvão vegetal e vários novos produtos que vão surgindo através de pesquisa.
No Brasil, a associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas é a Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), criada em 2014, que hoje, representa 50 empresas de produtos originários do cultivo dessas árvores, como a Cenibra, Dexco, e Norflor, além de produtores independentes e investidores institucionais. A associação também conta com a parceria de nove entidades estaduais para suas ações.
O uso de energia limpa nessa indústria aproxima a cadeia da autossuficiência energética e os investimentos no setor fomentam a competitividade, sem deixar as preocupações ambientais de lado.
Segundo dados da Ibá, as árvores cultivadas em território brasileiro são responsáveis por 91% de toda a madeira produzida para fins industriais. O uso de fontes de energia renováveis acaba contribuindo para a redução das emissões de Gases, causadores do efeito estufa, e consequentemente auxiliam no controle da mudança climática.
O Relatório Anual de Sustentabilidade da Indústria Brasileira de Árvores, da Ibá, publicado neste ano, com dados referentes a 2023, diz que mais de 10 milhões de hectares pertencem ao setor privado da indústria de árvores plantadas, gerando R$ 202 bilhões de receita bruta. Além disso, 6,91 milhões de hectares de vegetação nativa são protegidos pelo setor privado, uma área superior à do Estado do Rio de Janeiro.
Os hectares estão distribuídos em diferentes tipos de conservação, como as áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal (RL) e as de Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs).
Mauro Murara Jr., engenheiro florestal e diretor-executivo da Associação Catarinense de Empresas Florestais (ACR), diz que o impacto da indústria de árvores cultivadas vai para além do ambiental: “um dado importante com relação ao impacto social é que as cidades que recebem atividades florestais, têm uma melhora no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com ganhos na qualidade de vida.”
A ACR reúne empresas com áreas de florestas plantadas no estado de Santa Catarina, com o intuito de fomentar o desenvolvimento do setor e, como consequência, o desenvolvimento social e econômico de Santa Catarina. A Associação também faz parte da Indústria Brasileira de Árvores.
Com um setor cada vez mais crescente – foi anunciado, neste ano, um investimento de R$105 bilhões até 2028 para a indústria de papel e celulose -, é importante, também, saber como as universidades estão preparando seus futuros profissionais e pesquisadores para adentrar a Nova Indústria Brasileira.
Da Universidade para a Indústria
O crescente interesse do mercado pela Indústria de árvores plantadas já chamou a atenção nos campos de pesquisa nas universidades, que desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de soluções inovadoras para o setor.
“A pesquisa acadêmica está focada em áreas como o melhoramento genético de espécies florestais, o manejo sustentável de florestas plantadas, recuperação de áreas degradadas, restauração de ecossistemas e o desenvolvimento de novas metodologias e tecnologias para aumentar a eficiência da produção e reduzir o impacto ambiental”, explica o Dr. Leandro de Oliveira, professor de Engenharia Florestal da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Segundo o professor, que possui doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), os programas universitários de engenharia florestal preparam especialistas em áreas como silvicultura (nome dado à ciência e prática de cultivar, conservar e manejar florestas), ecologia florestal, manejo de recursos naturais e biotecnologia florestal – habilidades fundamentais para garantir a superação de desafios da sustentabilidade e da inovação tecnológica.
No caso da UFMG, que conta com uma nota 4 no curso de Engenharia Florestal, no Exame de Desempenho Nacional dos Estudantes (Enade), a Universidade conta com projetos de extensão voltados para o setor de árvores cultivadas, em parcerias com empresas e organizações ambientais, por meio de programas de estágio e projetos de pesquisa em conjunto. “Essas parcerias permitem a transferência de conhecimento entre academia e indústria, além de fomentar a inovação em áreas como o uso de biotecnologia para o melhoramento e propagação de espécies florestais de interesse e a criação de soluções sustentáveis para o manejo florestal”, conclui.
Um exemplo prático da relação universidade-indústria são as ações do Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em conjunto com a ACR, por meio de cursos e treinamentos, vitais para o setor.
Os plantios de eucalipto têm ciclos de sete a vinte e um anos, caso conduzido em três rotações de sete anos cada. Já para árvores de pinus, esse ciclo pode chegar a até 25 anos. Então, por todo este tempo, estas árvores estão captando carbono da atmosfera.
Um estudo de mestrado apoiado pela ACR, por exemplo, chegou à conclusão de que uma construção de aproximadamente 80m², feita com madeira engenheirada de pinus, pode armazenar a mesma quantidade de carbono emitida por um veículo a combustão ao longo de 200 mil quilômetros rodados.
Apesar de acreditar no diálogo fundamental entre a indústria e a Academia, Murara descreve um fator alarmante: “Um alerta, não só para a engenharia florestal, mas também para outros cursos, é a diminuição do interesse pela profissão. Percebemos uma queda muito grande na quantidade de candidatos que pleiteiam as vagas. Isso pode gerar um déficit de profissionais em um futuro não muito distante”.
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) também é um pilar da educação para essa indústria. A UFV criou o primeiro curso de Engenharia Florestal no Brasil na década de 1960, na época em que se criava no País a política de incentivos fiscais ao reflorestamento e florestamento (FISET) e dos programas nacionais de desenvolvimento (PNDs). Dez anos depois, mais precisamente em 1974, a Universidade também lançou a Sociedade de Investigações Florestais (SIF), fruto de iniciativa de professores recém chegados de seus doutoramentos em países como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e outros. A SIF faz a tão importante ponte entre indústria e pesquisa de modo a atender as demandas e ofertas mútuas por pesquisas e extensão por parte das indústrias florestais e dos mesmos professores e pesquisadores da UFV. Pesquisas e assessorias às empresas que se transformam em dissertações de mestrado, teses de doutorados e artigos científicos para a área florestal.
O ex-diretor da SIF e chefe do Departamento de Engenharia Florestal (DEF/UFV), Prof. Sebastião Valverde, explica a atuação da SIF nos dias de hoje: “São 30 empresas associadas com a SIF e 60, no total, que trabalham em conjunto [com a SIF], tanto nacionais quanto internacionais. A sinergia entre empresas florestais e o DEF, por meio da SIF, é fundamental e indissociável”.
Além da SIF e do próprio curso, a UFV conta com programas de pós-graduação lato sensu e strictu sensu (mestrado e doutorado) dedicados à cadeia produtiva florestal. A UFV possui, também, vários laboratórios especializados, como o laboratórios de celulose e papel, de propriedades da madeira, de energia de madeira, de sementes, de solos e de biotecnologia florestal, além de modernas infraestruturas de viveiros para pesquisas em propagação de mudas, entre diversas outras.
E o investimento ambiental vale a pena?
Investir em práticas ambientais traz uma série de benefícios para as empresas florestais, tanto econômicos quanto estratégicos, como a redução de custos operacionais a longo prazo por meio da conservação de recursos hídricos e do manejo sustentável de florestas plantadas, o atendimento à expectativa crescente dos consumidores, que demandam um posicionamento sustentável das companhias, e a melhoria da imagem corporativa no mercado competitivo.
“O investimento em práticas ambientais pelas empresas do setor florestal não apenas protege os ecossistemas dos quais elas dependem, mas também aumenta seu valor de mercado, atrai novos investimentos e se adequa às regulamentações internacionais de combate às mudanças climáticas”, explica o Dr. Leandro.” Há também benefícios fiscais e financiamentos voltados para projetos verdes, como políticas de crédito ambiental, que estão se tornando cada vez mais populares no mundo todo.
Para a Dra. Adriana de Assis, professora de Manejo Florestal na UFMG e doutora em Florestas de Produção pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), o investimento na indústria não é apenas interessante em um nível estratégico, mas mandatório: “Além das questões legais, há processos de certificação extremamente rigorosos que exigem e fiscalizam as práticas ambientais no setor florestal”. A doutora é irredutível no que se diz em relação à opção do investimento empresarial em práticas ambientais sustentáveis, para ela, não há espaço para agir diferente disso.
Segundo o Dr. Leandro, esse modelo de atividade se destaca no setor em âmbito internacional, atraindo investimentos e permitindo o acesso a mercados que exigem padrões rígidos de sustentabilidade, conferidos por certificações.
Além disso, o cenário já é uma realidade: um estudo da B3, que analisou o desempenho de empresas listadas com e sem foco ESG, revelou que, em média, as empresas ESG superaram seus pares em mais de 10% no retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) nos últimos três anos.
O professor Dr. Flávio Justino, premiado na Alemanha pelo melhor trabalho como cientista júnior da Helmholtz Foundation, explica como é cíclico e importante o investimento ambiental dessa indústria: “Estabilidade da produção. É importante adotar práticas sustentáveis para garantir a preservação dos recursos naturais. Isso assegura a produção a longo prazo”.
Enquanto maior o incentivo, mais atendidas são as normas sustentáveis rígidas e, consequentemente, mais restringidos são os efeitos do aquecimento global, por conta do sequestro de carbono pelas empresas. Segundo Ibá, em 2020, o setor de florestas plantadas no Brasil sequestrou cerca de 2,2 bilhões de toneladas de CO² até 2020, tornando-o um aliado essencial na mitigação dos efeitos do aquecimento global.
Aquecimento global e a responsabilidade sustentável
A substituição de concreto e aço por produtos de madeira é uma das formas reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) para reduzir as emissões de CO2 na atmosfera, atuando diretamente no combate ao aquecimento global.
O Dr. Flávio Justino defende a importância fundamental da Indústria de Árvores Cultivadas para a mitigação das mudanças climáticas, sendo um dos principais meios o sequestro de carbono: “Durante o crescimento das árvores, no processo de fotossíntese, elas absorvem o dióxido de carbono da atmosfera. O crescimento das árvores faz com que o carbono seja temporariamente armazenado”.
Outros benefícios citados pelo professor incluem a proteção do solo — uma vez que as raízes das árvores ajudam a prevenir a erosão —, o aumento da fertilidade do solo, a capacidade de retenção de água, além da regulação do clima. “Nesse caso, as florestas plantadas são, em resumo, fundamentais; elas são uma ferramenta poderosa na luta contra as mudanças climáticas”, conclui.
Para o professor Leandro, a Indústria de Árvores Plantadas é um dos principais pilares de uma economia de baixo carbono. “A indústria florestal tem a oportunidade de expandir suas ações de mitigação climática por meio de reflorestamento, uso de tecnologia para monitorar o estoque de carbono e políticas de conservação e sustentabilidade mais eficazes”, finaliza.
Mauro Murara Jr. é otimista em relação ao cenário nacional: “A grande maioria das empresas possui certificações, como as do FSC ou Cerflor, que atestam práticas internacionais de cuidados com o meio ambiente e o cumprimento irrestrito da legislação ambiental vigente”.
O Brasil já lançou iniciativas para incentivar práticas ESG, como o Plano Nacional de Adaptação e Mitigação à Mudança do Clima, que estabelece metas claras para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Para o setor de cultivo florestal, a mensagem é clara: as empresas que não adotarem práticas sustentáveis já estão ficando para trás. A indústria, no entanto, tem o potencial de liderar a transição para uma economia de baixo carbono – e o futuro do planeta pode depender disso.