A filantropia tem se tornado um tema relevante nas famílias de alto patrimônio brasileiras: 77% das famílias entrevistadas afirmam que seu principal motor para doar é gerar transformação social efetiva, no entanto, o tema é tratado de forma muito reativa (33% SFO e 47% MFO) e, ou ainda nem é abordada (23% entre SFO e MFO) um contraste que revela o tamanho da oportunidade. A conclusão é do estudo “Perspectivas e Oportunidades da Agenda de Filantropia em Family Offices”, o levantamento mais abrangente já realizado no país sobre o papel de Single e Multi Family Offices (SFOs e MFOs) na agenda de impacto social.
Após quase 6 anos liderando a área de filantropia do BTG Pactual e interagindo com famílias de alto patrimônio, Juliana de Paula viu uma oportunidade de acelerar essa agenda nas estruturas de family office. “Assim que eu resolvi sair do BTG Pactual, eu decidi focar toda minha energia nesta pesquisa, pois entendia que os family offices poderiam ter um papel de protagonista nessa agenda junto às famílias. Por isso, convidei o Cássio Aoqui, que é especialista em Filantropia, para juntos mapearmos um retrato do envolvimento dos family offices com a agenda de filantropia”.
A pesquisa entrevistou 103 pessoas, entre elas 70 Family Offices e 23 famílias filantrópicas, entre agosto e outubro de 2025, com patrocínio do Movimento Bem Maior e apoio do Instituto ACP. O estudo traz novos avanços e desafios estruturais no setor: embora o número de FO formais venha crescendo, falta de tempo e priorização é o principal entrave do tema (36% nos MFOs e 37% nos SFOs) — um reflexo da predominância de rotinas financeiras e operacionais que ainda ocupam o centro da gestão patrimonial. Por outro lado, em relação às famílias, pela perspectiva do MFO, o principal entrave é a falta de conhecimento e de como começar (78%), o que mostra a importância de uma parceria entre o mercado financeiro e o campo filantrópico.
Family Offices são estruturas criadas para administrar o patrimônio de famílias de alta renda – geralmente com fortunas a partir de R$50 milhões, podendo ultrapassar R$1 bilhão – atuando em gestão financeira, sucessória e, cada vez mais, na estratégia de legado e impacto social. Há dois principais modelos: o Single Family Office (SFO), que atende apenas uma família com alto grau de personalização e confidencialidade, e o Multi Family Office (MFO), que atende diversas famílias, oferecendo eficiência de escala, governança profissional e serviços compartilhados. Em ambos os casos, essas estruturas se consolidam como pontes estratégicas entre riqueza e propósito.
Os resultados mostram que o tema já é uma demanda nas conversas patrimoniais, 55% dos multi family offices afirmam que já tiveram clientes perguntando sobre o tema, mas apenas 22% dos MFO estimula o tema de forma ativa.
Os Single family offices, apesar da grande maioria dos entrevistados já atuarem de forma mais planejada na agenda (52%) e 62% dessas famílias já possuírem instituto ou fundação próprios, ainda possuem oportunidades para serem mais estratégicos na agenda, envolvendo principalmente diferentes gerações.
“A maturidade do tema de filantropia nessas instituições é o suporte que elas conseguem oferecer no alinhamento entre capital, propósito e impacto”, afirma Juliana de Paula, conselheira em Filantropia para Famílias e Family Offices e coautora do estudo. “Assim, o FO pode ser uma das pontes mais estratégicas, em que se revela não apenas o que as famílias fazem com seus recursos, mas o que pretendem deixar como legado”.
O levantamento aponta que mulheres e herdeiros(as) das novas gerações estão liderando a conversa sobre filantropia. Entre os Multi Family Offices, 47% indicam sucessores(as) e 25% apontam mulheres como principais impulsionadoras da pauta.
“Essa transição mostra uma nova forma de olhar o patrimônio, menos voltada à reputação e mais à coerência entre o que se tem e o que se faz”, explica Cássio Aoqui, pesquisador e doutor em Ciências pela USP. “O Family Office que souber integrar valores, propósito e investimento social de forma autêntica será referência na próxima década.”
O estudo contextualiza esse movimento com dados de mercado: segundo a ANBIMA, Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, o número de Family Offices formais cresceu 82,5% em três anos, passando de 80 para 146, com R$457 bilhões sob gestão. Globalmente, estima-se que US$124 trilhões serão transferidos entre gerações até 2048, com 70% do público herdeiro formado por mulheres.
Essa redistribuição patrimonial impulsiona o papel dos Family Offices como mediadores de propósito, educação financeira e impacto socioambiental. “A sucessão patrimonial é também uma sucessão de valores da família. E a filantropia tem se mostrado o espaço mais fértil para cultivar esse diálogo entre gerações”, observa Juliana.
Hoje, tanto SFOs quanto MFOs já atuam, em alguma instância, sobre gestão operacional das doações nacionais – 63% (de forma mais recorrente) e 53% (de forma mais pontual), respectivamente, atuam em aspectos financeiros e jurídico-tributários -, mas poucos oferecem curadoria de parceiros ou apoio estratégico. Apenas 7% dos SFOs e menos de 5% dos MFOs fazem acompanhamento ou aconselhamento em filantropia, o que reforça a necessidade de evoluir do modelo “backoffice” para o modelo consultivo e relacional.
Entre as famílias entrevistadas, 77% apontaram o impacto social efetivo como principal motivação para doar, seguido por legado e perpetuação de valores (55%) e engajamento das novas gerações (18%). As principais barreiras, porém, são culturais e técnicas: 78% das famílias afirmam que os FOs não estão preparados para lidar com o tema, e 57% criticam o foco excessivo em performance financeira.
O relatório destaca que as famílias não esperam apenas gestão, mas visão. Querem que o Family Office seja parceiro de propósito, não apenas de patrimônio.
O estudo identifica três vetores centrais de amadurecimento para o avanço da filantropia nos Family Offices:
- Da execução à consultoria: transformar conhecimento técnico em aconselhamento estratégico, apoiando famílias na definição e mensuração de impacto.
- Da reação à curadoria: criar metodologias e processos para provocar conversas sobre propósito e legado, e não apenas reagir a elas.
- Da contabilidade à coerência: integrar métricas de impacto socioambiental aos relatórios financeiros, refletindo não só quanto se ganha, mas também quanto se transforma.
Com esse movimento, a filantropia tende a se tornar o novo diferencial competitivo do setor. “Além de portfólios e produtos, as famílias estão escolhendo relações que expressam seus valores. O sucesso, para o Family Office do futuro, será medido também pela capacidade de gerar impacto positivo”, conclui a pesquisa.
Para conferir a pesquisa completa, clique aqui.
