Mulheres líderes de empresas de sucesso contam as piores frases que já ouviram na trajetória empreendedora

Donas de franquias e franqueadas revelam como lidaram com críticas e comentários desmotivadores

O Brasil tem grandes exemplos de líderes mulheres em diferentes contextos, porém a realidade ainda é aquém quando o foco é liderança de negócios. No setor de franquias, apenas 19% das 3 mil redes de franquias brasileiras são lideradas por mulheres, segundo levantamento feito pelo Portal do Franchising e divulgado em setembro de 2023 pela ABF (Associação Brasileira de Franchising). Mas se a liderança feminina nas franqueadoras ainda é pouco representativa, o potencial para as mulheres serem franqueadas a uma rede é equilibrado. Entre as unidades franqueadas, 48% das pessoas que buscam uma franquia são mulheres, de acordo com os dados divulgados pelo portal. 

E para fortalecer o empreendedorismo feminino e impulsionar mais mulheres a terem o próprio negócio, conheça as piores frases que 22 líderes de franquias escutaram durante a trajetória empreendedora e saiba como elas lidaram com isso, fazendo dos comentários um trampolim para o sucesso. 

Gracielle Pacheco, franqueada e diretora executiva da Total Clean

Frase: “Cadê o técnico? Quem dá o treinamento?

São as frases ouvidas por Gracielle Pacheco, 40 anos, diretora executiva da rede Total Clean e franqueada de quatro unidades nas regiões de Piracicaba, em São Paulo, Governador Valadares em Minas Gerais, Cuiabá e Várzea Grande, no Mato Grosso.  Ela conta que essa dificuldade é uma barreira muito grande no ramo de serviços, principalmente porque na limpeza de estofados a mão de obra é predominantemente masculina. Responsável por ministrar treinamentos, Gracielle chegou a ouvir perguntas como “Cadê o técnico?” “Quem vai dar o treinamento?”, além de lidar com a resistência do profissional que não aceitou muito bem o fato de ser ensinado por uma mulher, apesar da situação não se intimidou e conduziu o treinamento. “São situações que enfrento no dia a dia, e consigo contornar essa barreira. Hoje possuo quatro unidades da Total Clean, e lidero uma equipe formada por sete homens”, comenta.

Yumi Tamashiro, franqueada da Cuor di Crema, gelateria artesanal de método italiano

Frase: “Se você abrir mais um botão da camisa, fechamos o negócio hoje mesmo”

No mercado de trabalho desde os 20, a empresária paulistana Yumi Tamashiro, hoje aos 27, já lidou com diversas situações sexistas. Há cerca de quatro anos, numa reunião apenas com homens, ouviu de um dos presentes uma das piores abordagens da carreira, insinuando que a imagem corporal da jovem teria algo a ver com a discussão profissional em vigor. “Naquele momento entendi quão machista é o mundo dos negócios e como nós, mulheres, precisamos ser sempre muito mais sérias que eles. Nos provar cada vez mais para que este tipo de coisa não aconteça”. Além disso, na rotina da própria empresa, a gelateria Cuor di Crema, no bairro Moema, Zona Sul da capital paulista, frequentemente ainda lida com frases do tipo “Posso falar com o responsável?”, ao que Yumi responde que é ela a dona e responsável pelo negócio. Ou o clássico “Você passa muito tempo trabalhando. Devia se dedicar mais à vida pessoal, namorar, casar… O tempo está passando”. Quanto a isto, a empresária reforça que tem ciência da importância de balancear a vida, mas que atualmente sua prioridade é a carreira. “Este é o momento de me dedicar ao meu negócio. Primeiro eu preciso ter a minha estabilidade, para depois construir família. E ter um negócio não me priva de nada”, finaliza. 

Ellen Fernandes, fundadora e CFO da Red Fitness, rede de academias

Frase: “É imprudente largar a CLT para abrir um negócio que não é a sua área”

A história de empreendedorismo de Ellen Fernandes, 39 anos, fundadora da Red Fitness, começou quando topou investir em sua própria rede de academias ao lado do marido enquanto ainda era enfermeira e empregada em regime CLT em dois empregos. A empresária conta que uma das frases que mais ouviu nesse processo de transição de áreas é que seria imprudência de sua parte trocar a carteira assinada por um negócio paralelo a sua área especializada. “Ouvir isso me afetou no começo porque eu já tinha minha carreira sólida e trocar o certo pelo “duvidoso” era um risco. Além disso, naquela época, a área de educação física era banalizada e se referia muito aos homens, então sempre me falaram que largar minha profissão para me aventurar em um mundo predominantemente masculino, não era uma boa opção”, conta. Hoje, CFO da própria empresa, Ellen explica que esse tipo de comentário pode afetar qualquer pessoa, mas sempre soube lidar com comentários machistas. “Os homens ainda detêm grande parte da liderança no mundo dos negócios, mas sempre consegui me impor de forma respeitosa principalmente no fitness que são poucas mulheres atuando na linha de frente”, explica a empreendedora que deixa seu conselho para todas as mulheres “Saiba seu valor como mulher, se imponha quando necessário e saiba entrar e sair de qualquer ambiente ou situação com respeito, elegância e equilíbrio”, aconselha.

Sarita Meiryellen Oliveira de Andrade, enfermeira esteta e franqueada Emagrecentro da unidade Nova Serrana (MG)

Frase: “Quero ver como você vai fazer para pagar as contas”

Esta foi a frase que Sarita, 37 anos, ouviu quando decidiu se separar do marido, pondo fim a um relacionamento abusivo de sete anos, que incluiu agressões psicológicas, verbais e físicas. “Confesso que chorei a madrugada toda, me questionando como havia me permitido viver tantas humilhações. Mas não desanimei, mesmo sem dinheiro, corri atrás de trabalhar mais para que eu e minha filha sobrevivêssemos”, conta a enfermeira. Ela trabalhava em hospital no período noturno e começou a oferecer serviços estéticos em uma sala emprestada durante o dia, inclusive aos fins de semana e feriados. “O salário do hospital só dava para as contas fixas da casa. Tive muito apoio dos meus amigos quando decidi empreender. Comecei fazendo limpeza de pele, depois estética corporal e capilar. Atendia todos os dias, após plantão de 12 horas, não tinha tempo ruim”, completa. Após um tempo, uma colega de faculdade ofereceu sua parte em uma unidade do Emagrecentro: “Comprei sem ter dinheiro, sem cheque, sem empréstimo, sem contrato, sem nota promissória. Ela me vendeu apenas confiando em mim e em nossa amizade”, comenta Sarita. Mais tarde, ela decidiu vender a sua parte e se mudar com sua filha para uma cidade onde não conhecia ninguém, a fim de começar a vida do zero. Abriu sua própria clínica do Emagrecentro e, hoje, é uma empresária de sucesso. “A frase dita com tanto ódio, lançada visando acabar com o resto de mim que ainda resistia, foi o gatilho que eu a usei para me reconstruir”, finaliza a empreendedora.

Camila Miglhorini, CEO e fundadora da Mr. Fit, rede pioneira em fast-food de alimentação saudável no Brasil

Frase: “Seu sócio está?”

Com experiência no setor de franquias e de alimentação, Camila Miglhorini, 40 anos, estudou e se preparou para se tornar empresária, no entanto, no início da jornada enfrentou desafios por ser mulher. “Não me davam credibilidade, sempre de alguma forma perguntavam se tinham algum homem envolvido com o negócio”, conta. Na época, para tentar contornar essa percepção e se blindar de cantadas e comentários desnecessários, a empresária, que era solteira, passou a usar uma aliança falsa. “Hoje eu rio da situação, mas infelizmente o anel foi necessário para impor mais respeito. E funcionou”. Camila, que hoje tem mais de 500 lojas espalhadas pelo país, explica que a melhor maneira de superar o preconceito contra mulheres empreendedoras é ignorar os comentários desagradáveis, acreditar no potencial e relevância do seu trabalho e se apoiar em outras mulheres do ramo. “Criar uma rede de conexão e suporte com outras mulheres do setor ajuda a enfrentar os desafios da jornada”, finaliza.

Roberta Bellumat, franqueada e gestora da rede de franquias, da Padrão Enfermagem

Frase: “Nem é sua área, está sendo influenciada pelo seu marido”

Após o seu casamento com um enfermeiro, aos 28 anos, a franquia Padrão Enfermagem entrou na vida da Roberta Bellumat, hoje com 38 anos, e mãe de um filho de 3 anos. Sempre ouvia de sua família que não devia “abaixar a cabeça para ninguém” e isso foi determinante para sua evolução como pessoa. Todo seu tempo e esforços foram dedicados para que o negócio fosse um sucesso, mas logo no início ouviu frases desmotivadoras como: “O que você entende de administração?”, “Nem é sua área, está sendo influenciada por seu marido”, “Seu marido não reclama de você trabalhar tanto?”, entre outras. Esses questionamentos fizeram a profissional abraçar ainda mais o desafio e se dedicar ao negócio. Após 10 anos como franqueada da Padrão Enfermagem, o fundador da marca, Rafael Schinoff a convidou para assumir a gestão da rede de franquias ao seu lado, que é o seu cargo atual. “Essas frases que ainda escuto me enchem de orgulho da mulher que me tornei, amo minha família e meu trabalho, por isso nada é um fardo, tudo é uma questão de perspectiva. Quem é mulher sabe que somos capazes de tudo, e ainda assumimos as várias funções com competência e em cima do salto alto”, comenta.

Jucelaine Alvarenga, vice-presidente da Help Multas, rede de franquias especializada em recursos de multas de trânsito, processos de suspensão e cassação da CNH

Frase: “Não seja louca de trocar o certo pelo duvidoso”


Enquanto estava no início da jornada empreendedora, ainda em paralelo ao serviço público de servidora do Poder Judiciário, Jucelaine Alvarenga, de 35 anos, ouvia que empreender era loucura e que não deveria trocar o que já era certo por algo que nem sabia se daria certo. “Quando comentava do desejo de pedir a exoneração para empreender  ouvia frases como “não seja louca de trocar o certo pelo duvidoso” ou então “no serviço público tem estabilidade,  é loucura sair de algo que tanta gente se esforça para entrar”. As pessoas não estavam completamente erradas, de fato o serviço público tinha sido uma excelente opção até então, porém ao buscar conhecimento eu evolui, eu cresci e o concurso continuava do mesmo jeito. Foi quando tapei os ouvidos para todas essas frases e pedi exoneração para empreender e fundar o que é hoje a maior rede de franquia no segmento de multas de trânsito”, afirma a empresária.

Mayra Cristine de Oliveira, multifranqueada da OrthoDontic, maior rede de franquias de ortodontia do Brasil

Frase: “Geralmente mulheres precisam de apoio, pois não sabem ser racionais, firmes e agem sempre pela emoção” 

Franqueada da OrthoDontic, Mayra Cristine de Oliveira, 34, diz que as mulheres estão vivendo em um mundo que se deparam com alguns comentários que desafiam sua capacidade profissional pelo simples fato de serem  mulheres. “Ao longo da minha carreira sempre escutei comentários como: “não sei por que você irá empreender em um negócio. Geralmente mulheres precisam de apoio pois não sabem ser racionais, firmes e agem sempre pela emoção. Essas foram algumas frases que ela se deparou logo quando decidiu sair da cadeira clínica e alcançar novos voos abrindo a primeira franquia odontológica, mas não parou aí. “Achei que com o passar dos anos e com os frutos que pude colher sendo empreendedora isso me livraria de mais comentários negativos. Afinal, é assim que geralmente somos aceitas, quando damos bons resultados e mostramos nossa produtividade. Mas não foi isso que aconteceu. Assim que me casei vieram mais comentários como: “você vai casar? Mas não terá tempo para seu marido e sua casa. Se continuar à frente das empresas vai ter que reduzir o tempo para cuidar do lar ou vai acabar ficando sem seu marido, homem precisa de cuidado e zelo”. Quando engravidou do primeiro filho, continuou ouvindo mais frases cruéis: “Não posso ser bem sucedida nas duas áreas? Não há disputa entre empreender e seguir casada, com filhos e feliz. Afinal, somos seres incríveis e para ser empreendedora não preciso abrir mão de ser eu . Podemos sim ser bem sucedidas em várias áreas ao mesmo tempo e ocupar diferentes lugares, espaços e sermos felizes em todos eles”, afirma.

Dra Aline Médici, diretora-executiva da Ad Clinic, rede de clínicas de estética 

Frase: “Você não vai conseguir por ser mulher”

A biomédica Aline Médici, 33 anos, aponta que em pleno XXI, as mulheres ainda são consideradas sexo frágil e por isso precisam provar a sua capacidade o tempo todo. “Além de sermos boas empreendedoras, também precisamos ser uma boa mãe e boa esposa e se falharmos em algum desses quesitos, já nos rotulam como fracas”, analisa. Hoje, ao lado do marido, Médici comanda a própria rede de clínicas de estética com mais de 100 operações pelas principais cidades e capitais do Brasil, e revela que já lhe falaram que não conseguiria chegar onde chegou por ser mulher. “Ouvir esse tipo de comentário me fortaleceu. As pessoas que não acreditaram que eu conseguiria, tinham propósitos de vida bem diferentes do meu, então optei por me inspirar apenas naqueles que já conquistaram o patamar que eu almejava”, conta. Durante toda sua trajetória empreendedora, se manteve como a mulher otimista que sempre foi transformando dificuldades em oportunidades e reforça para todas as mulheres nunca desistirem de seus sonhos. “Uma das frases que me motivaram foi do Walt Disney: se você pode sonhar, você pode realizar”, aconselha.

Carina Mendonça, multifranqueada da Casa de Bolos, a maior rede de franquias de bolos do Brasil e pioneira no segmento, em Dourados (MS)

Frase: “Gestão de negócio não é para mulheres”

Já para Carina Mendonça, 51 anos, multifranqueada da Casa de Bolos, a maior rede de franquias de bolos do Brasil e pioneira no segmento, para chegar no empreendedorismo e na parceria de sucesso com a rede, que já dura 11 anos, precisou passar por muitas outras atividades, principalmente em cargos de gestão, no qual desenvolveu suas habilidades para comandar as suas 5 lojas da franquia no estado de Mato Grosso do Sul. De acordo com a franqueada, os desafios empreendedores sempre foram grandes, mas ela conseguia lidar com cada um deles graças às situações que ouviu no passado, principalmente com foco na gestão de pessoas. “Antes de empreender, trabalhei como responsável por soluções e serviços de uma empresa de manutenção. Em um lugar repleto de homens, ouvia muito que não conseguiria gerenciar e orientar os colaboradores, porque cargos de gestão não são para mulheres, logo iria desanimar”. Mas, apesar deste episódio, Carina conta que aprendeu muito e levou esse ensinamento para suas lojas. “Essa experiência me fez entender muito mais como cuidar dos meus colaboradores, mantê-los motivados e sempre incentivá-los a chegar cada vez mais longe, indo totalmente contra aos comentários que um dia ouvi”, compartilha.

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