Nova plataforma revoluciona acesso a dados de monitoramento de fauna na Serra do Mar

O maior programa de monitoramento de fauna silvestre da Serra do Mar, no litoral do Paraná, acaba de dar um passo decisivo para a consolidação de estratégias de conservação da biodiversidade baseadas em dados. Com financiamento do Programa Biodiversidade Litoral do Paraná, o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar (PGMSM) lançou uma plataforma interativa inédita que reúne registros de espécies de fauna de médio e grande porte obtidos em ações de campo desde 2021.

Destinada exclusivamente à Rede de Monitoramento e instituições parceiras, a plataforma digital consolida dados captados por armadilhas fotográficas distribuídas em mais de 140 pontos entre áreas protegidas na Grande Reserva Mata Atlântica, em territórios privados no Paraná e parte do estado de São Paulo. A iniciativa é considerada um divisor de águas na gestão da biodiversidade regional.

“Desde o início, nossa meta era transformar informação técnica em algo acessível, funcional e estratégico para quem está na linha de frente da conservação”, explica Roberto Fusco, coordenador do PGMSM. “Agora conseguimos visualizar espacialmente onde as espécies estão ocorrendo, quantos registros existem, e isso ajuda diretamente no planejamento de corredores ecológicos, planos de manejo e decisões de gestão”.

O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar foi criado oficialmente em 2019, mas surge da experiência acumulada por mais de 15 anos de pesquisas de campo e articulações institucionais lideradas por pesquisadores e técnicos do litoral do Paraná. Ele é resultado da persistência e união de esforços de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Cananéia e Instituto Manacá. Com uma proposta interinstitucional, o programa atua na integração de dados, metodologias e atores locais, e se consolidou como referência na conservação de espécies como onças-pintadas, antas e queixadas — indicadores importantes do estado de saúde de um ecossistema.

A plataforma recém-lançada também é fruto de uma colaboração com o Instituto Federal do Paraná (IFPR), por meio de sua incubadora tecnológica, e foi construída com base em soluções do Power BI, adaptadas à realidade da gestão ambiental. Segundo Fusco, a tecnologia foi escolhida por ser robusta, acessível e versátil, permitindo filtros por grupo faunístico, espécie, localização e ano de ocorrência.

“Nós conseguimos filtrar, por exemplo, apenas os registros de mamíferos no Parque Nacional Guaricana, ou focar em espécies exóticas como cachorros-domésticos, javalis, cavalos e búfalos, que também aparecem nas imagens”, explica. “Até agora, cerca de 67 espécies já foram registradas na plataforma”. O diferencial da ferramenta está não apenas na quantidade de dados, mas na forma como eles são apresentados a quem os consulta. Mapas de calor, gráficos de bolhas e visualizações georreferenciadas facilitam a análise e o entendimento dos dados por parte de técnicos, pesquisadores e tomadores de decisão.

A plataforma oferece suporte para diversos usos: desde o planejamento do uso do solo e definição de zonas de amortecimento até a elaboração de estudos ambientais, processos de licenciamento e pesquisas científicas de longo prazo. Todos os dados passam por um rigoroso processo de triagem, que é realizado manualmente pelos pesquisadores a partir das imagens coletadas pelas armadilhas fotográficas, sistematização e processamento.

“A Inteligência Artificial ainda apresenta muitas falhas para esse tipo de identificação. Por isso, fazemos a análise visual, espécie por espécie, garantindo maior qualidade e confiabilidade para os registros”, comenta Fusco. A infraestrutura de monitoramento é complexa e exige uma logística cuidadosa. Cada armadilha fotográfica permanece em campo por cerca de 60 dias e é instalada estrategicamente em trilhas, margens de cursos d’água e outras áreas com alta probabilidade de circulação de fauna. Ainda assim, o projeto enfrenta desafios sérios, como o furto de equipamentos por caçadores. “Já tivemos mais de 30 armadilhas roubadas desde 2021”, relata o coordenador.

Para garantir a integridade das informações e evitar o uso indevido por caçadores ou traficantes de fauna, o acesso à plataforma é controlado. Apenas membros da Rede de Monitoramento e parceiros institucionais podem visualizar os dados após aprovação de cadastro. “Esses dados são bastante sensíveis. Não podemos correr o risco de que eles caiam em mãos erradas. Por isso, a plataforma é restrita, voltada exclusivamente aos atores de conservação da região”, reforça Fusco.

Além da proteção da biodiversidade, a equipe do PGMSM acredita que a ferramenta contribuirá para ampliar a visão sistêmica dos gestores sobre o território. A proposta é que os dados não sejam utilizados apenas para olhar “o próprio quintal”, mas para compreender o cenário em nível de paisagem, conectando áreas, estratégias e instituições.

A coordenadora de comunicação do PGMSM, Laila Rebecca, destaca que o monitoramento é um símbolo do amadurecimento do trabalho de campo em um território tão valioso e estratégico para a Mata Atlântica. “É a primeira vez que temos uma plataforma com essa amplitude e profundidade de dados sobre a fauna da Serra do Mar. Ela fortalece o olhar de paisagem, permite uma gestão mais integrada e qualificada, e mostra o quanto os investimentos do Programa Biodiversidade Litoral do Paraná são decisivos para gerar resultados concretos”, afirma.

A longo prazo, a equipe do PGMSM pretende manter e expandir a plataforma, integrando novos dados, ampliando a área de cobertura e fortalecendo sua utilidade como fonte para políticas públicas, pesquisas e decisões ambientais. Para isso, será necessário garantir a continuidade do financiamento. “Esses dados já têm impacto. Eles podem ser usados para construir planos de manejo, subsidiar estudos ambientais e fortalecer políticas públicas. Mas a plataforma é um organismo vivo, que precisa de atualização constante”, conclui Fusco. 

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