O que faz um bairro ser realmente inteligente? Entenda a certificação LEED for Communities e seu impacto para a população

Cidade dos Lagos, em Guarapuava. Imagem: divulgação

Na era das smart cities, a discussão sobre o que define um bairro inteligente vai além da presença de sensores, wi-fi gratuito ou estações de recarga elétrica. O conceito, quando aplicado com profundidade, envolve planejamento urbano integrado, eficiência ambiental, inclusão social e uma infraestrutura que antecipa desafios climáticos, de mobilidade e de habitação. É justamente nesse ponto de inflexão entre intenção e execução que entra o selo Leed for Communities, certificação internacional criada para validar, com critérios técnicos e mensuráveis, a sustentabilidade de comunidades urbanas.

Criado pelo U.S. Green Building Council (USGBC), o selo vai além da escala de edifícios, que popularizou o LEED no mundo, para avaliar bairros inteiros. A metodologia considera aspectos como infraestrutura hídrica e energética, mobilidade ativa, densidade urbana, acesso a serviços, drenagem, conectividade, uso do solo e impacto ambiental de longo prazo. Foi quando, pela primeira vez no Brasil, um projeto urbano recebeu essa certificação: a Cidade dos Lagos, bairro planejado em Guarapuava (PR), com 3 milhões de m² e infraestrutura baseada em conceitos de resiliência, mobilidade e ocupação consciente.

“O Leed for Communities parte da premissa de que bairros são organismos complexos, e não apenas a soma de construções sustentáveis. A certificação busca entender como cada elemento da malha urbana se conecta e contribui para o bem-estar das pessoas e a resiliência ambiental”, explica Eduardo Pádua de Mattos, engenheiro ambiental e sócio da Forte Desenvolvimento Sustentável, consultoria responsável pelo processo.

Segundo ele, a certificação exige comprovação de desempenho em categorias que incluem sistemas naturais e ecologia, uso do solo e transporte, infraestrutura verde, políticas de construção sustentável, além de critérios regionais e de inovação. No caso da Cidade dos Lagos, parte das construções já existia quando a consultoria foi contratada. Ainda assim, foi possível atingir 62 pontos, conquistando o selo na categoria Gold.

“Entramos quando o shopping, por exemplo, já estava pronto. Ainda assim, conseguimos realizar ajustes significativos em calçadas, ciclovias, instalação de lago de contenção, drenagem, iluminação e plano de mobilidade. Foi um desafio, mas também uma confirmação de que o projeto original já tinha uma base sólida. Isso mostra que a sustentabilidade pode ser incorporada mesmo em fases avançadas do projeto”, avalia Mattos.

Entre os destaques do bairro estão calçadas acessíveis com padrão mínimo de largura, pontos de ônibus com tecnologia sustentável, ciclovias integradas a todas as vias, iluminação pública com controle de poluição luminosa, mobiliário urbano, plano de coleta de resíduos, diretrizes para carregamento de veículos elétricos e previsão de uso misto, com hospitais, shopping, escolas e comércios acessíveis a pé. “O Leed for Communities é baseado no conceito de cidade de 15 minutos, onde os serviços essenciais estão a uma curta distância de caminhada. É preciso garantir que os serviços estejam distribuídos de forma eficiente e que as pessoas possam viver o bairro plenamente a pé ou de bicicleta”, explica o consultor.

Outro ponto de destaque da certificação é a resiliência urbana. O bairro precisa demonstrar capacidade de adaptação a eventos climáticos extremos, como chuvas intensas ou escassez hídrica. “São analisadas questões como retenção de água da chuva, permeabilidade do solo e eficiência da rede de drenagem, além de projeções de emissão de gases de efeito estufa até 2040”, afirma o consultor. “A lógica é pensar o bairro como um sistema vivo, com capacidade de resposta ao longo do tempo.”

Mas o diferencial do projeto vai além da técnica. Para Mattos, o grande mérito da Cidade dos Lagos foi promover o chamado placemaking, conceito que envolve criar não apenas espaços urbanos funcionais, mas lugares com identidade, conexão social e protagonismo comunitário. “Hoje, ali está o único shopping em um raio de 200 km, os dois mais importantes hospitais da região – Regional e do Câncer -, centros educacionais, torres comerciais e residenciais. O bairro criou um novo polo de desenvolvimento em Guarapuava. É sobre gerar identidade, pertencimento e valor urbano onde antes não havia infraestrutura”.

Para o representante da Cidade dos Lagos, Vilso Dubena, a certificação é um marco para a região. “O selo reforça nosso compromisso com um modelo urbano mais responsável, voltado à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável, visto que nossos oito pilares que sustentam o conceito do bairro estão inspirados nos 17 ODS da ONU. O reconhecimento internacional é resultado de um esforço coletivo e técnico para criar um bairro que vá além da estética ou da promessa comercial”.

Em países como os Estados Unidos, mais de cem bairros já receberam o selo. No Brasil, o processo ainda é incipiente, mas tende a crescer à medida que o mercado imobiliário e o poder público passam a incorporar diretrizes de urbanismo sustentável em seus projetos. Para Mattos, o impacto da certificação vai além da valorização imobiliária. “Ela oferece um referencial técnico para decisões que, muitas vezes, são tomadas de forma empírica ou reativa. Com o Leed Gold, o que está em jogo é a qualidade da cidade e da vida que se quer construir”.

No caso brasileiro, a experiência em Guarapuava ilustra esse movimento. Localizado em uma cidade de médio porte, o bairro certificado nasceu como vetor da expansão urbana e passou a concentrar serviços públicos e privados essenciais, funcionando como uma nova centralidade. Mais do que uma conquista local, o caso revela um potencial de transformação no modo como se pensa a ocupação urbana no Brasil. E aponta para um futuro em que selos como o Leed for Communities não sejam exceção, mas referência.

“A Cidade dos Lagos é um empreendimento icônico para o Green Building Council Brasil por ser o primeiro a conquistar a certificação internacional LEED for Communities no país. O planejamento urbano pensado na priorização do pedestre, edificações de uso misto, serviços de saúde, lazer e educação, espaços abertos e de convívio público, enfim tudo pensado para valorizar o investimento dos moradores e parceiros, ao mesmo tempo que atende os desafios de adaptação e resiliência que os países discutem em fóruns internacionais sobre as cidades do futuro”, avalia Felipe Augusto Faria, CEO do Green Building Council Brasil.

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