Sentir taquicardia antes de uma reunião, perder o sono por causa de mensagens de cobrança enviadas fora do expediente ou conviver com humilhações no ambiente profissional não são apenas situações desagradáveis: são sinais claros de que o trabalho pode estar adoecendo você.
A psicóloga e professora da PUC-PR Mariana Holanda, primeira diretora de Saúde Mental do Brasil e diretora de inovação da consultoria Norte Saúde Mental, alerta que “não existe como você se manter saudável em um ambiente adoecido”. Segundo ela, os sintomas de que a saúde mental está sendo impactada pelo trabalho incluem alterações físicas como dores musculares, insônia, náuseas, queda de cabelo e até maior suscetibilidade a doenças, além das questões cognitivas, como dificuldade de concentração, alterações na memória e raciocínio lento. “É o nosso corpo ativando o sistema de ameaça. Mesmo que o gestor não seja um leão correndo atrás de você, como nos tempos das cavernas, ele é percebido pelo cérebro como perigo real”, explica ela.
Nos últimos dois anos, o número de afastamentos por problemas de saúde mental cresceu expressivamente, registrando um aumento de 134%. Em 2022, foram contabilizados cerca de 201 mil casos, número que saltou para 472 mil em 2024. As informações fazem parte da mais recente atualização do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, ligado à Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, uma parceria entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.
Esse aumento está diretamente relacionado à presença de culturas organizacionais e lideranças tóxicas. Entre os comportamentos mais prejudiciais estão o abuso de autoridade, favoritismo, agressividade, exigências irreais e a completa ausência de empatia e apoio. Do ponto de vista institucional, o adoecimento se agrava em ambientes onde há clima de medo, assédio, competição desleal, sobrecarga de trabalho e esgotamento físico e mental. “Se você entra numa reunião com sintomas de ameaça como taquicardia, se tem insônia por causa das cobranças do chefe às 9 da noite, ou se sente pânico só de pensar em interações com sua liderança, esses sinais não devem ser normalizados. A cultura e as lideranças estão adoecidas e vão adoecer você também”, reforça a professora.
Para ela, identificar esses padrões é o primeiro passo para buscar proteção e mudança. Ela também lembra que muitos desses sintomas podem ser confundidos com questões pessoais, já que se parecem com reações a outras situações da vida. Por isso, é fundamental observar a relação entre esses sinais e o contexto profissional. “A sensibilidade está em perceber o quanto de energia, e não só tempo, você está investindo naquele ambiente, e o quanto ele te devolve em termos recursos para que você desenvolva segurança emocional e psicológica.”
Para profissionais de RH, lideranças e organizações, o alerta também é claro: ambientes saudáveis não nascem do acaso. São construídos na prática do dia a dia, de comportamentos a partir de valores como integridade, respeito, transparência, empatia e acolhimento. Em tempos de esgotamento coletivo, criar culturas de bem-estar não é um luxo, mas uma urgência.
Quando o profissional precisa buscar ajuda?
Reconhecer os sinais precoces de esgotamento emocional pode ser decisivo para evitar um adoecimento mais grave. De acordo com Mariana, o momento de buscar ajuda psicológica é quando os sintomas físicos e emocionais começam a impactar a rotina de forma recorrente, como alterações no sono, crises de ansiedade, choro frequente, sensação constante de ameaça ou de incapacidade, além de mudanças bruscas de humor. “Se você sente que não é mais a mesma pessoa no trabalho, se está sempre em alerta ou exausto, é hora de procurar apoio profissional”, alerta.
O que as empresas podem fazer para promover um ambiente saudável?
Do ponto de vista das empresas, é essencial adotar uma postura proativa na identificação de sinais coletivos de sofrimento. Quedas de produtividade, aumento de conflitos, afastamentos frequentes por problemas de saúde e alta rotatividade são alguns dos indicativos de que algo no ambiente organizacional pode estar adoecendo a equipe. Monitorar esses dados e ouvir os colaboradores de forma sistemática por meio de escutas anônimas, avaliações de clima ou rodas de conversa. Esses são caminhos viáveis para captar os impactos invisíveis da cultura interna.
Investir em diagnósticos organizacionais de saúde mental é outro passo fundamental. Há ferramentas que ajudam a mapear riscos psicossociais e a compreender como práticas de gestão, estilos de liderança e estruturas de trabalho influenciam o bem-estar dos colaboradores. Essas ações permitem não apenas reagir a crises, mas prevenir quadros de sofrimento, promovendo um ambiente mais seguro e sustentável.
Por fim, é preciso lembrar que a liderança tem um papel direto na saúde mental das equipes. Chefes que atuam com empatia, coerência e respeito tendem a gerar ambientes de confiança, onde as pessoas se sentem autorizadas a serem autênticas.