Dois anos após a estreia do ChatGPT, a promessa de retorno sobre o investimento em inteligência artificial generativa (IA) ainda não se concretizou para muitos, mas um setor emerge como um ponto brilhante: o desenvolvimento de software. Uma nova onda de startups especializadas em geração de código, as chamadas “code-gen”, está atraindo investimentos massivos e alcançando avaliações estratosféricas, à medida que empresas buscam na IA uma forma de auxiliar e, em alguns casos, substituir a mão de obra de engenheiros de software humanos, um recurso cada vez mais caro.
A Cursor, uma startup sediada em São Francisco que utiliza IA para sugerir, completar e até mesmo escrever seções inteiras de código de forma autônoma, levantou impressionantes US$ 900 milhões em maio, atingindo uma avaliação de US$ 10 bilhões. A rodada de investimento contou com a participação de grandes nomes do capital de risco em tecnologia, como Thrive Capital, Andreessen Horowitz e Accel.
Outro destaque é a Windsurf, startup de Mountain View por trás da popular ferramenta de codificação por IA Codeium. A empresa chamou a atenção da OpenAI, criadora do ChatGPT, que agora estaria em negociações avançadas para adquirir a Windsurf por cerca de US$ 3 bilhões, segundo fontes familiarizadas com o assunto consultadas pela Reuters. A ferramenta da Windsurf é conhecida por sua capacidade de traduzir comandos simples em inglês para código de programação, um conceito apelidado de “codificação Vibe”. Essa abordagem permite que pessoas sem conhecimento técnico em linguagens de computador criem softwares. Tanto a OpenAI quanto a Windsurf se recusaram a comentar sobre a possível aquisição.
Scott Wu, CEO da startup de geração de código Cognition, acredita que a IA já está transformando radicalmente o papel do engenheiro de software. “A IA automatizou todo o trabalho repetitivo e tedioso”, afirmou Wu. “O papel do engenheiro de software já mudou drasticamente. Não se trata mais de memorizar sintaxe esotérica.”
Os fundadores dessas startups e seus investidores enxergam o momento como uma corrida pela liderança no setor, com uma janela de oportunidade cada vez menor para conquistar uma base de usuários significativa e estabelecer suas ferramentas de codificação por IA como o padrão da indústria. No entanto, a maioria dessas startups utiliza modelos de base de IA desenvolvidos por outras empresas, como OpenAI, Anthropic ou DeepSeek, o que eleva seus custos por consulta. Atualmente, nenhuma delas opera no azul.
Além disso, essas startups enfrentam o risco de serem superadas pelas grandes empresas de tecnologia, como Google, Microsoft e OpenAI, que anunciaram novos produtos de geração de código em maio. A Anthropic também estaria desenvolvendo sua própria solução, segundo informações de duas fontes familiarizadas com o assunto.
O rápido crescimento dessas startups ocorre em um cenário de forte competição por parte das gigantes da tecnologia. O GitHub Copilot, da Microsoft, lançado em 2021 e considerado o player dominante na geração de código, gerou mais de US$ 500 milhões em receita no ano passado, de acordo com uma fonte com conhecimento da situação.
À medida que a IA revoluciona o setor, muitos empregos, especialmente cargos de codificação de nível básico e tarefas mais repetitivas, podem ser eliminados. A Signalfire, uma empresa de capital de risco que monitora contratações em tecnologia, identificou uma queda de 24% nas novas contratações com menos de um ano de experiência em 2024. A empresa atribui essa redução ao fato de que tarefas antes designadas a engenheiros de software iniciantes estão sendo parcialmente realizadas por IA.
O CEO do Google afirmou em abril que “bem mais de 30%” do código da empresa agora é gerado por IA. Já o CEO da Amazon, Andy Jassy, revelou no ano passado que a empresa economizou “o equivalente a 4.500 anos de desenvolvimento” com o uso da IA. Google e Amazon não quiseram comentar sobre o assunto. Em maio, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, declarou que aproximadamente 20% a 30% do código da empresa é gerado por IA. No mesmo mês, a Microsoft anunciou a demissão de 6.000 funcionários em todo o mundo, com mais de 40% desses cortes afetando desenvolvedores de software no estado de Washington, sede da empresa.
*Com informações da Reuters