Por Miguel Gomes, CEO do Grupo Vivhas**
A aproximação entre empresas privadas de tecnologia em saúde e o governo brasileiro tem se intensificado nos últimos anos, impulsionando a modernização do setor público e promovendo uma profunda transformação digital no Sistema Único de Saúde (SUS). Essa parceria é estratégica e fundamental para garantir a inclusão digital na rede pública, sobretudo em um país de dimensões continentais e marcado por desigualdades regionais.
Um marco importante desse processo é o Programa SUS Digital, lançado pelo Ministério da Saúde. Com adesão de 99,9% dos municípios na primeira etapa, o programa busca integrar tecnologia, informação e saúde, assegurando acesso equitativo a serviços digitais de qualidade e reduzindo desigualdades históricas no atendimento.
A digitalização dos serviços públicos de saúde já proporciona avanços concretos, como o uso de prontuários eletrônicos, a ampliação da telessaúde e a gestão unificada por meio de plataformas integradas de dados. Atualmente, cerca de 90% das Unidades Básicas de Saúde utilizam o Prontuário Eletrônico do Cidadão, com mais de 180 mil profissionais capacitados. Isso permite o acompanhamento contínuo dos pacientes, facilita o compartilhamento de informações clínicas e agiliza diagnósticos e tratamentos.
O SUS já adotou uma série de iniciativas tecnológicas arrojadas que resultaram em importantes avanços. Estima-se que, até o fim de 2025, a ampliação do uso de prontuários eletrônicos interoperáveis — como os aplicativos e-SUS APS e AGHU, que registram atendimentos, acompanham os pacientes e monitoram as visitas domiciliares da Saúde da Família — facilitará a integração de informações entre diferentes níveis de atenção e regiões do país.
Outro marco importante é a expansão acelerada da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que já acumula cerca de 1,6 bilhão de registros e ilustra os passos do Governo Federal na digitalização e no compartilhamento seguro de informações clínicas.
A interoperabilidade de dados — um dos maiores desafios — está sendo enfrentada por meio da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil, que prevê, até 2028, a unificação das informações de saúde, garantindo a cada cidadão um prontuário único acessível em toda a rede pública e privada.
A inteligência artificial também tem ganhado espaço no SUS, com aplicações em diagnósticos médicos, predição de emergências e até na análise de ações judiciais relacionadas à oferta de medicamentos, contribuindo para decisões mais rápidas e baseadas em evidências.
O setor privado, especialmente as startups e empresas de tecnologia, tem papel decisivo no desenvolvimento de soluções inovadoras baseadas em inteligência artificial, big data e aplicativos de autogestão em saúde. Projetos-piloto resultantes da colaboração entre governo, empresas e universidades já demonstram impacto: em 2024, em apenas três meses, seis empresas participantes de um painel de indicadores registraram mais de 1,2 milhão de atendimentos digitais, com taxa de resolutividade de 95,7%.
Além de tornar a gestão mais eficiente e transparente, essa transformação aproxima o SUS da realidade cotidiana da população. A inclusão digital é essencial nesse movimento, e esforços conjuntos dos Ministérios da Saúde e das Comunicações têm levado conectividade a unidades de saúde em áreas remotas e indígenas, buscando garantir que a digitalização alcance todos os brasileiros.
Entretanto, ainda há barreiras a serem enfrentadas, como a qualificação dos profissionais, o fortalecimento da cultura digital, a segurança de dados e a sustentabilidade das infraestruturas tecnológicas.
Nesse cenário, a transformação digital tem se consolidado como um alicerce para um sistema de saúde mais justo, eficiente e centrado no cidadão. Ao integrar regiões diversas ao sistema nacional, promove-se uma equidade real no cuidado e amplia-se o acesso a serviços com qualidade equivalente em todo o país.
A transparência proporcionada pelas tecnologias digitais também fortalece o controle social. Com acesso facilitado a indicadores, investimentos e resultados, sociedade civil, imprensa e órgãos de fiscalização podem exercer um papel mais ativo, promovendo a ética e a eficiência na gestão pública.
Ainda assim, o progresso traz novos desafios: é preciso garantir a interoperabilidade entre sistemas e plataformas e a inclusão digital dos usuários, muitos dos quais têm dificuldades no uso de tecnologias. Políticas públicas de capacitação e acessibilidade tornam-se, portanto, urgentes.
Por fim, assegurar a confidencialidade das informações sensíveis exige investimentos contínuos em cibersegurança, além da adoção de protocolos robustos de privacidade e governança de dados.
A experiência brasileira demonstra que a colaboração entre tecnologia e governo é essencial para ampliar a inclusão digital no cuidado à saúde, tornando o SUS mais acessível, eficiente e centrado no paciente. O futuro aponta para um ecossistema cada vez mais colaborativo, onde inovação, parcerias público-privadas e políticas alinhadas serão a base para uma saúde digital de qualidade para todos.
**Miguel Gomes é CEO do Grupo Vivhas e fundador da Vivere. Com mais de 40 anos de experiência, é um dos mais importantes executivos do país. Formado em Administração pela Faculdades Associadas de São Paulo (FASP) e pós-graduado em Sistemas de Informação pela Fundação Santo André, o executivo acumula passagens por empresas como Unilever, Pirelli, Ibersis e Itteligence.