Como a neurociência está transformando a inteligência artificial e o futuro da tecnologia

Imagem: Kommers | Unspash

A inteligência artificial (IA) tem dado grandes saltos nos últimos anos — e boa parte dessa evolução tem raízes em um campo menos visível, mas extremamente influente: a neurociência. O estudo do cérebro humano e do sistema nervoso está inspirando o desenvolvimento de tecnologias capazes de simular e até expandir as capacidades cognitivas humanas.

“A neurociência se destaca como uma força transformadora na medicina moderna e no avanço tecnológico. Com a colaboração de diversas disciplinas, ela oferece uma visão mais completa e multifacetada do cérebro humano — essencial para o progresso do conhecimento e para a criação de soluções terapêuticas mais eficazes”, afirma Daniele De Mari, CEO e cofundadora da Neurogram, startup que atua no desenvolvimento de soluções baseadas em interfaces cérebro-computador (BCI). Formada em Neurociência pelo Georgia Institute of Technology, Daniele fundou a empresa a partir de sua pesquisa nos Estados Unidos e tem se dedicado ao desafio de integrar cérebros e máquinas de forma ética e funcional.

Segundo um relatório da McKinsey & Company, as tecnologias baseadas em IA devem movimentar mais de US$ 6 trilhões na área da saúde até 2030 — número que reforça a tendência destacada por Daniele.

O cérebro como modelo

As chamadas redes neurais artificiais — um dos pilares da IA moderna — foram inspiradas no funcionamento dos neurônios humanos.

“A inteligência artificial (IA) inspira-se diretamente nos princípios da neurociência — especialmente na estrutura das redes neurais artificiais, que simulam o funcionamento dos neurônios humanos. Essas redes, compostas por unidades interconectadas que processam e transmitem informações, são a base dos sistemas de IA modernos”, explica Daniele.

O conectoma — estudo detalhado da conectividade e morfologia dos neurônios — tem se tornado uma peça-chave nesse processo, permitindo que pesquisadores treinem redes neurais profundas para imitar a funcionalidade dos neurônios corticais e avancem em tarefas como reconhecimento de voz, visão computacional e tomada de decisões autônomas.

Da medicina à tecnologia

Além de inspirar algoritmos, a neurociência também tem papel direto no desenvolvimento de terapias inovadoras. A criação de medicamentos para doenças como depressão, Alzheimer e epilepsia já se beneficia de descobertas neurocientíficas.

Uma das frentes mais promissoras é a das interfaces cérebro-computador (BCI), que permitem controlar máquinas com o pensamento. “Essa linha de pesquisa é tão promissora que atraiu a atenção de figuras como Elon Musk, que fundou a Neuralink, startup voltada à implantação de eletrodos no cérebro com o objetivo de ajudar pessoas com lesões a operarem computadores e smartphones apenas com seus pensamentos”, completa a CEO da Neurogram.

Daniele De Mari é CEO e cofundadora da Neurogram. | Imagem: Divulgação.
IA mais humanizada

Dentro da neurociência, um campo de destaque é a neurociência cognitiva, que busca entender como o cérebro realiza funções como memória, atenção e percepção. Essas descobertas são cruciais para o desenvolvimento de sistemas de IA mais eficientes e inteligentes.

Daniele explica: “Por exemplo, modelos de atenção seletiva inspirados no funcionamento do cérebro permitem que máquinas filtrem informações e respondam com mais precisão a estímulos relevantes, o que melhora significativamente a interação entre humanos e computadores.”

Além disso, a neurociência também contribui para o desenvolvimento ético da tecnologia. “Compreender os aspectos cognitivos e emocionais do comportamento humano ajuda a garantir que as soluções de IA sejam desenhadas de forma responsável, considerando os impactos sociais e psicológicos de suas aplicações”, diz Daniele.

A colaboração entre neurocientistas e especialistas em IA está apenas começando. Segundo Daniele, o futuro passa por um diálogo cada vez mais profundo entre cérebro e máquina, com aplicações que vão muito além da saúde: “Vamos ver avanços em educação, segurança, comunicação — tudo aquilo que envolve cognição e tomada de decisão.”

Além das iniciativas lideradas por startups brasileiras como a Neurogram, centros de pesquisa e empresas internacionais também estão avançando rapidamente no campo das interfaces cérebro-computador (BCI). Um exemplo recente é o da Neuro Xess, empresa sediada em Xangai, que desenvolveu implantes cerebrais capazes de interpretar sinais neurais em tempo real. A tecnologia permite que pacientes controlem cadeiras de rodas, cursores de mouse e até interajam com jogos apenas com o pensamento.

Essas inovações mostram como a neurociência está ultrapassando os muros dos laboratórios e chegando ao cotidiano. O impacto pode ser profundo, mas também exige responsabilidade. “Precisamos garantir que essas tecnologias sejam criadas com empatia, ética e foco no bem-estar das pessoas”, reforça Daniele.

À medida que a linha entre biologia e tecnologia se torna mais tênue, cresce também a importância de manter um diálogo aberto e constante sobre os rumos da inovação. A integração entre cérebro e máquina já é uma realidade — e pode transformar profundamente a forma como vivemos, aprendemos e nos conectamos.

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