O mercado de trabalho brasileiro atravessa uma profunda transformação estrutural, distanciando-se de modelos lineares de carreira e adotando um paradigma baseado em habilidades (skill-based work). Esta é a principal conclusão do estudo “Mind the Soft Gap – o novo valor do trabalho: evidências sobre o avanço do modelo skill-based e a ascensão das competências nas organizações brasileiras”, realizado pela Afferolab, consultoria de aprendizagem corporativa do Brasil, que ouviu mais de 400 líderes de diversos setores no país e analisou, com o apoio da PEZCO Economics, dados dos últimos cinco anos da RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego.
“Esta mudança reflete um contexto global, com repercussões locais, onde o comportamento ganha centralidade. O modelo de progressão profissional do século XX, estruturado nas etapas sequenciais de estudar, formar-se e trabalhar, cede espaço a uma realidade moldada pelo avanço tecnológico e pela cultura digital do século XXI, tornando a projeção da imagem pública um novo parâmetro de sucesso”, afirma Alessandra Lotufo, sócia e Managing Director da Afferolab.
No novo mercado de trabalho, habilidades socioemocionais e comportamentais ganham relevância frente a diplomas e cargos no currículo. Segundo o levantamento, competências lógicas, estratégicas, executoras e sistêmicas se destacam desde cargos operacionais até a alta gestão.
“A tradicional relação entre diploma e cargo está sendo reescrita. O que observamos é a ascensão de um modelo onde o potencial de uso de conhecimento em cenários dinâmicos e a adaptabilidade contínua se tornam o diferencial estratégico para profissionais e organizações”, pontua Alessandra.
O Mind the Soft Gap também revelou um aumento significativo de executivos com menos de 35 anos em cargos de chefia, um crescimento puxado pelas regiões Norte (+75,9%), Sul (+70,4%) e Sudeste (+67,4%).
“Estamos assistindo à formação de uma nova geração de líderes que assumem responsabilidade antes de acumular décadas de experiência formal. Neste novo modelo, é necessário que as pessoas sejam preparadas não apenas tecnicamente, mas em competências transversais, como pensamento estratégico, inteligência emocional, fluência digital e visão sistêmica”, explica a executiva.
A pesquisa também destaca que a quantidade de pessoas com ensino médio completo no mercado formal cresceu 30%, tornando este nível um requisito básico para acesso a empregos em setores mais organizados, principalmente aqueles que demandam habilidades digitais e aprendizado contínuo. “Este movimento acentua um risco de exclusão para indivíduos sem essa qualificação, sublinhando a necessidade urgente de programas de requalificação que combinem reforço educacional e capacitação técnica para evitar o aprofundamento da desigualdade social”, alerta a especialista.
Para Alessandra, os números reforçam o diagnóstico de uma transição no setor profissional brasileiro: houve crescimento expressivo no índice de vínculos em altos cargos, como diretoria e gerência, e em setores de alta e média-alta intensidade tecnológica no mesmo período. “Isso sugere um reposicionamento estratégico da economia em direção a maior sofisticação, demandando uma força de trabalho mais qualificada e adaptável. O levantamento aponta para o surgimento de um novo perfil ocupacional: uma classe média técnica emergente, onde o foco da qualificação migra das funções puramente gerenciais para cargos técnicos e operacionais com alto conteúdo tecnológico”, analisa.
O estudo também revela uma tendência de redução no tempo médio de permanência nas empresas. Os vínculos empregatícios com até dois anos de duração expandiram-se de forma considerável entre 2018 e 2023.
“A análise comprova que o Brasil não vivencia apenas uma tendência, mas uma transição estrutural que torna o desenvolvimento contínuo de habilidades (upskilling) uma necessidade imediata”, comenta Alessandra. “O desafio colocado pelo modelo skill-based, segundo o estudo, está em equilibrar o reconhecimento das habilidades humanas com a velocidade da validação digital e a profundidade do domínio necessário para sustentar inovação e pensamento crítico”, conclui a especialista.