Sinto-me afortunado devido à minha trajetória. Sou de uma família de origem italiana e, portanto, palmeirense. Meus pais, Sérgio e Ely, esforçaram-se para que eu sempre estudasse em um bom colégio. Tive o privilégio de frequentar o tradicional Dante Alighieri. Eles também me incentivaram a estudar inglês, algo que, futuramente, se tornou um diferencial enorme em minha vida. Sou grato aos meus pais, pois hoje entendo o quanto eles abdicaram para poder me proporcionar essas oportunidades.
Em 1982, algumas coisas foram fundamentais para o resto da minha vida, mas na época eu não sabia disso: tive a oportunidade de terminar meus estudos de Inglês numa universidade americana e, por sorte, escolhi uma matéria opcional que usava computadores de forma pioneira para facilitar a educação. Fascinado, ao voltar para o Brasil, montei meu primeiro microcomputador (absolutamente ridículo, se comparado com os atuais) e passava horas hipnotizado em frente àquela telinha, que tinha apenas um cursor piscante verde, com os sinais “A:>”. Meu fascínio decorria do fato de que tudo o que eu escrevia e fazia no computador, como simples programas, recebia uma resposta. Até hoje, recordo-me de minha mãe me chamando para almoçar ou jantar, pois eu realmente esquecia da vida em frente à tela. Na época, não enxergava isso como uma profissão possível, não era tão óbvio como é hoje. Eu desejava muito obter um diploma de engenheiro para conseguir um “emprego” e assegurar o futuro que meus pais almejavam para mim.
Ao enfrentar o temido vestibular, consegui, após muita dedicação e uma tentativa frustrada, ingressar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), onde me formei em Engenharia Mecânica em 1988. Durante esse período, fortaleci a convicção de que dedicação e disciplina são pontos-chave para o desenvolvimento, pois o ambiente era altamente competitivo e desafiador. Convivi com colegas muito mais habilidosos do que eu e compreendi o verdadeiro significado da expressão “elevar a barra”. Antes de ingressar na Poli, eu conseguia levar a vida sem depender tanto da tão necessária resiliência.
Hoje, passados mais de 35 anos da formatura, tenho uma família linda, minha esposa e o amor da minha vida Renata e meus três filhos (Lara, Giulia e Sergio). Sou bastante grato por eles terem me incentivado e tolerado durante esta jornada, haja vista que costumo classificar essa fascinação pela tecnologia como uma hipnose. Com a evolução da computação em nuvem e, agora, com a Inteligência Artificial (IA), as possibilidades continuam a se expandir, e é isso que me mantém energizado. A tecnologia hoje, para mim, tem o poder de solucionar alguns dos grandes problemas da humanidade além dos problemas empresariais. Este é o propósito que me move.
Sigo hipnotizado na frente das telinhas e não dedico a elas o tempo que merecem. Hoje, é a minha esposa quem me chama para sair da frente das, agora, múltiplas telas.
O prazer de realizar a partir de uma concepção
Prestes a me graduar, existia um negócio chamado Reserva de Informática, em uma época na qual o Brasil não permitia a importação de insumos tecnológicos, com o intuito de fomentar indústrias locais. Surgiram várias empresas do nicho e atuei na Digigraf, responsável por sistemas de digitalização. Inclusive, criamos o primeiro mouse brasileiro. Trabalhei nesse projeto desde a concepção: fascinante!
A palavra “projeto” me persegue a partir daí. No projeto do mouse, percebi que minha verdadeira paixão era criar algo e colocar em prática em seguida. Meu pai me aconselhou a atuar em uma consultoria para ampliar meu leque de aprendizados, haja vista que em tais empresas a pessoa absorve uma série de coisas, para depois escolher algo específico. Indubitavelmente, consultorias são escolas, com exposição a inúmeros segmentos. Resultado: sou consultor até hoje.
Descobri, na consultoria, que o prazer de projetar e fazer algo funcionar do começo ao fim, como no caso do “mouse”, pode ser mais rápido e tão realizador quanto nos projetos de tecnologia. Projetar e construir software é algo mágico e praticamente não há limite do que se pode fazer. Assim, fui edificando a carreira, passei por companhias emblemáticas, basicamente efetuando o mesmo tipo de serviço, criando soluções tecnológicas para diferentes empresas.
O aprendizado contínuo como método para se surfar todas as ondas da Tecnologia
Ao me formar, fui aprovado num processo para trainee da Price Waterhouse. Acho que me destaquei por ser um dos poucos que sabiam operar os tais dos computadores, tendo, em seguida, a oportunidade de ingressar nas práticas de tecnologia e ajudar na implementação de softwares MRPs (os antecessores dos ERPs), navegando em uma onda gigante dos hoje famosos ERPs, como Baan e SAP. Eu não sabia, mas esses sistemas foram uma das grandes ondas da tecnologia, e neste momento, tive a sorte de ser impulsionado por ela.
Ao alcançar novos patamares, pude desempenhar em outras corporações, como Baan, SAP, Siebel, Deloitte e Microsoft, até me consolidar como general manager da Salesforce. Obviamente, as vivências nessas empresas foram fundamentais para pavimentar a minha carreira, sempre adquirindo novas competências e valores e me transformando como ser humano e profissional.
Destaco como o aprendizado contínuo é de suma importância na carreira de qualquer pessoa. Tenho a sorte de ter como referência meu pai, acadêmico importante, que sempre valorizou o conhecimento. Meu pai me inspira, assim como minha avó, Lucia Orlandi de Judicibus, uma das poucas mulheres na Itália que se formaram em Administração na década de 1920. Numa época em que as mulheres enfrentavam preconceito ao estudar ou trabalhar, ela se destacou. Intuo que talvez ela tenha plantado o bom vírus da curiosidade e do aprendizado na nossa família.
Na tecnologia, contar com esse viés é ainda mais relevante, considerando que tudo muda o tempo todo. Dedico-me com afinco e percebo como os integrantes da minha equipe também seguem por esse caminho, algo que me enche de orgulho.
A empresa em que atuo hoje é completamente diferente da empresa de sete anos atrás, quando ingressei. E manter-se atualizado é um desafio enorme, com muitas mudanças ocorrendo. Sempre digo: “Em tecnologia, as ondas podem te ajudar ou te afogar. Tem que se aprender a surfá-las”.
A importância em colocar o ser humano no centro e ajudá-lo a mudar e a superar desafios
A tecnologia sempre permite saltos grandes, e o ser humano, por natureza, tem dificuldade em aceitar o novo, com medo de perder o que possui de concreto. Isso é prejudicial, pois leva a abrir mão de conhecer outras oportunidades e de estar conectado às inovações. Tanto ao criarmos soluções para as pessoas usarem quanto ao liderarmos organizações que sempre precisam mudar, o desafio central reside nas pessoas.
Atualmente, a tendência nas empresas é apresentar protótipos e provas de conceito, tornando as ideias tangíveis, o que é crucial para diminuir resistências. Fazer desenhos elegantes e intuitivos das aplicações é outro truque para quebrar barreiras. As apps têm que ser desenhadas com o ser humano no centro.
Um exemplo relacionado à gestão de pessoas e às mudanças: recordo o desafio de ser chamado para integrar a área de Consultoria da Microsoft. Até aquele momento, minha experiência se limitava a ajudar a criar operações a partir do zero. Mudar algo complexo, com legado e cultura, é mais desafiador do que criar do zero. Ao ingressar, deparei-me com a necessidade de realizar um turnaround complexo, lidando com pessoas desengajadas e, por consequência, uma equipe que não estava alcançando os resultados esperados.
Aprendi que criar um propósito claro para a área, compreender os sentimentos das pessoas, estabelecer rotinas de comunicação constantes e abertas, focar no básico e investir em vendas para sair do desafio foram lições valiosas e gratificantes.
Com os resultados, ganhamos prêmios importantes, das mãos do próprio Steve Ballmer, então presidente da empresa. Depois desse desafio, fui designado para assumir o setor de inovação e evangelismo, que era muito diferente em relação às minhas experiências prévias. O departamento tocava os projetos para estudantes, startups e até grandes projetos de inovação, em parceria com companhias consolidadas.
Tive que desenvolver uma habilidade que não possuía anteriormente. A área em questão utilizava conceitos de marketing como disciplina central, o que me obrigou a passar por uma transformação para adquirir esses conhecimentos. No âmago do marketing está a capacidade de compreender e se comunicar efetivamente com as pessoas. Foi um processo extremamente gratificante devido à novidade envolvida, além de me permitir retornar à minha vocação inicial de proporcionar inovação, agora direcionada a estudantes e startups, sendo, assim, transformador na vida das pessoas de maneira mais direta.
Considero fundamental acreditar nas pessoas, sempre traçando metas ambiciosas. Costumo dizer: “Estou feliz, mas nunca estou satisfeito”, pois, dessa forma, sempre haverá espaço para se aprimorar e mudar.
Na Salesforce, minha missão é criar e impulsionar significativamente o crescimento da área de sucesso do cliente e consultoria. Atualmente, contamos com aproximadamente 400 profissionais de alto nível, incluindo arquitetos e consultores, que estão profundamente envolvidos e asseguram o uso eficaz da Salesforce por grandes empresas em um mundo em constante transformação. Sinto um imenso orgulho dessa equipe excepcional, composta por indivíduos dedicados e altamente capacitados, liderando os projetos mais ambiciosos de tecnologia da empresa.
O mais intrigante é que acredito que finalmente conseguimos estabelecer uma organização que não apenas se adapta às mudanças, mas também as vê como oportunidades e as recebe de braços abertos. Embora isso gere certo receio, é empolgante.
Portanto, ao desenvolver sistemas, estratégias de marketing ou iniciativas inovadoras destinadas a pessoas por meio de outras pessoas, quem está no centro de tudo são… Acertou: as pessoas. Aprender a gerenciar projetos que minimizem as barreiras de adoção e liderar grupos diversos e mutáveis são os meus desafios mais frequentes atualmente.
Defina propósitos claros e invista no poder da diversidade
O líder deve se aplicar aos propósitos claros – as pessoas são movidas por missões. Conto com a oportunidade de atuar em uma empresa na qual as pessoas têm um nível altíssimo, e isso ajuda demasiadamente. Quem está à frente não precisa se impor, basta viabilizar a consciência de cocriar as táticas, os planejamentos, tendo em vista como todos têm algo a acrescentar. A partir de então, o engajamento é automático, com o direcionamento adequado.
A diversidade é outro ponto muito valioso – isso permite a composição de times diversos, complementares, provendo espaço a opiniões divergentes. A mistura de estilos, gêneros, background, etc., gera um ambiente que abriga autenticidade e credibilidade.
Cometi muitos erros no início, pois contratava muitas pessoas parecidas comigo. Aprendi que é preciso contar com perfis complementares – isso gera mais possibilidades de cocriação. Caso contrário, tudo fica mais limitado, as soluções tornam-se escassas e ninguém te desafia.
O bom líder é aquele que molda o trabalho ao talento e à diferença de cada pessoa. Isso faz com que a instituição floresça de acordo com o melhor de cada profissional. Se você conseguir acertar mais do que errar em cada posição, as pessoas trabalharão fazendo o que gostam na maior parte do tempo, poderão ser autênticas e serão mais felizes. Não há limites para o que uma organização feliz não possa realizar.
Autoconhecimento que alavanca o desenvolvimento ou não…
De novo, a palavra “conhecimento”. Só que agora o conhecimento de si mesmo. As armadilhas são pontos cegos das pessoas. Eles podem causar estagnação ou até mesmo liquidar carreiras. A arrogância, por exemplo: a pessoa pode ser espetacular em tudo, mas se não souber ouvir, dificilmente conseguirá êxito. E, claro, a pessoa não sabe que é arrogante e não muda. O “como”, as soft skills, ou a falta delas, é tão ou mais determinante quanto os conhecimentos hard ou técnicos. Muitas vezes, o profissional fica anos sem saber como ele é na realidade e se achando o máximo!
Portanto, enalteço o poder do autoconhecimento. Há uma imagem própria do “eu” que é enganosa. Saber quem você é de verdade, a partir dos outros, é muito importante – é um exercício de humildade, inclusive.
As ferramentas de RH são também úteis, como os testes de MBTI (Myers–Briggs Type Indicator), baseados nas pesquisas do psicanalista Carl Jung, que define os arquétipos. É ciência, psicologia pura, que ajuda a conhecer o seu estilo – isso, sem dúvida, mudou a minha vida completamente.
Feedbacks são muito importantes também, com as avaliações de diferentes pessoas, assim como a mentoria auxilia demasiadamente, inclusive, porque os retornos podem ser críticos – algo essencial para crescer.
Existem métodos específicos para conhecer os seus valores. Realizei um curso e testes para compreender melhor os meus sentimentos e reações às diferentes situações. Eu era uma pessoa que pensava somente no futuro e recebi feedback sobre a necessidade de vivenciar o presente, com os pés no chão. Parte superior do formulário
O futuro e mais uma nova onda para se surfar
Falando em futuro, sou otimista em relação à Inteligência Artificial. A sociedade acordou agora para a IA com o ChatGPT, mas temos utilizado os algoritmos há bastante tempo, e esse crescimento possivelmente será mais acelerado. Todos teremos nossas capacidades ampliadas, se soubermos usar bem estas tecnologias.
Na área da saúde, a IA já é algo essencial, auxiliando os médicos, por exemplo, a interpretar radiografias com resultados bem confiáveis. Os profissionais serão melhores em seus respectivos setores, com o advento de novas tecnologias. É um fato inconteste – os advogados farão contratos melhores; os programadores irão criar e testar códigos de forma mais rápida e aprimorada, assim como artistas e designers criarão mais e melhor… Enfim, qualquer um que crie ou lide com informação poderá ser auxiliado.
As empresas estão usando a IA para entender e aprimorar a relação delas com os clientes. Grandes empresas que têm milhões de clientes precisam deste tipo de apoio que hoje a IA permite. Evidentemente, apesar de promissor, alguns trabalhos deixarão de existir, como em todo salto tecnológico. Por óbvio, recomendo a todos, inclusive aos meus filhos, que aprendam IA. Não saber usar essas ferramentas será tão arcaico quanto não saber usar calculadora ou saber fazer uma busca no Google.
Inteligência Artificial tem o poder de ser tão revolucionária quanto a internet, o ERP ou computação na nuvem. São grandes saltos tecnológicos, significando movimentos promissores, e que nos ajudarão em todos os âmbitos. As pessoas que souberem utilizar as inovações contarão com vantagens no mercado de trabalho, inclusive com o surgimento de novas profissões. É fascinante ver esta nova onda gigante e sinto-me uma criança novamente.
Fomente relacionamentos por meio da generosidade e da confiança
Carreira, para mim, é um tripé de skills, competências e relacionamentos. Os relacionamentos nos ensinam. Por meio dos relacionamentos com confiança, pessoas podem alavancar sua carreira. Competência isoladamente não muda a carreira de ninguém, alguém precisa querer te contratar.
É importante manter um networking sólido para buscar o sucesso, demonstrando para chefes, mentores e pares o seu verdadeiro potencial. Isso resulta em êxito nas empreitadas, com o suporte de pessoas competentes e íntegras.
Aconselho como a melhor maneira de gerenciar tais relacionamentos é sendo franco, genuíno, generoso, aberto, pedindo ajuda, falando sempre a verdade – a integridade gera a confiança, responsável por criar a sua marca de credibilidade. E credibilidade é o cerne das coisas. Claro, é preciso entregar, alinhado com as metas propostas.
Seja generoso quando lhe peçam algo que você possa prover como um conselho, uma mentoria. Ajudar as pessoas dá retorno. Você não sabe quando dá, mas dá. As pessoas vão se lembrar que você é um cara acessível e gentil.
Falando nisso, alguns relacionamentos com pessoas inspiradoras e que acreditaram em mim têm sido importantes. Além da influência familiar, menciono pessoas espetaculares, que me ajudaram, foram generosas ou me desafiaram, como o Manuel Pietra, o Marcos Peano, o Augusto Pinto, o Michel Levy, o Emílio Umeoka, o Carlos Salgado, o João Bezerra, a Paula Bellizia, a Maria Martinez e o Maurício Prado. Cito os meus amigos pessoais, que são muito importantes para mim, meu lastro. Com eles posso me abrir e não há agenda nem interesse entre nós: obrigado, Fred Zurcher, Alexandre Talarico, Luiz Zaninetti, Fernando Rogano, Sami Arap e Eduardo Nozari! O Alexandre, especialmente, é um exemplo de dedicação, transformou seu hobby em uma profissão bem-sucedida. Sua trajetória renderia um livro incrível. Aponto, ainda, os meus amigos da faculdade, pois sem eles eu não conseguiria ter me formado naquela loucura: Fabio Trigo, Luis Fernando Beda e Luis Fernando Rocha. Obrigado!
Durante a jornada, tenho a consciência de que estou focado demais no trabalho. Tenho negligenciado quem importa, minha família e amigos, mas ao menos quero que saibam do quanto eles me ajudaram ou me inspiraram. Sou muito grato a todos.
“Nunca deixe de ser um aprendiz, no sentido de sempre manter o brilho nos olhos, amparado pela curiosidade e vontade de aprender sempre. Seja generoso, autêntico e bom com as pessoas, pois dá retorno. Dedique-se, sem medo de seguir as suas intuições e aquilo que você tem mais vontade de fazer – mesmo que pareçam hobbies. Dessa dedicação pode surgir sua paixão”.
Fonte: Histórias de Sucesso – Exame.