O vazamento do relatório do Comitê Independente contratado pela Americanas para investigar a fraude contábil na varejista demonstra que o problema é ainda maior que o estimado pelo mercado e vai além do risco sacado. Matérias publicadas na imprensa por alguns veículos que tiveram acesso ao relatório destacam situações como as suspeitas de vendas de produtos entre os braços físico e digital do grupo até despesas que teriam sido registradas fora do período em que ocorreram.
Os acionistas minoritários, que estão entre os maiores prejudicados pela fraude, no entanto, ainda tateiam no escuro, pois a companhia não deu transparência ao mercado sobre as conclusões que constam no relatório. O Instituto Empresa, entidade que defende os investidores minoritários e ingressou com arbitragens contra a Companhia e seus controladores, solicitou acesso ao documento na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e entrou em contato com a Americanas, que se negou a enviar o relatório.
“Nos últimos dias, o mercado soube dos acordos de delação e do teor do Relatório da Comissão Independente por relatos da imprensa. Tais fatos deveriam ter sido amplamente divulgados pela própria Companhia, evitando boataria e vazamentos, que denotam um certo apego ao segredo e à ocultação das informações”, defende Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa.
Na visão de Silva, o relatório da Comissão Independente foi produzido para os acionistas das Americanas: os atuais e os que sofreram perdas brutais. “Se os minoritários sequer têm acesso a ele, não conseguem nem mesmo formular adequadamente seus pedidos em relação à Companhia e seus controladores. É mais um ato de truculência e de desigualdade em relação aos Investidores”, observa.
Dentre os fatos evidenciados hoje na mídia, Silva observa que chama a atenção o fato de o relatório do comitê apontar que os conselhos fiscais da Americanas e da B2W (o braço digital da companhia), órgãos internos que fiscalizam as empresas, terem sido alertados pela auditoria KPMG sobre os problemas envolvendo o “risco sacado” e as Verbas de Publicidade Cooperadas (VPCs). Essas duas operações, segundo investigações em curso da Polícia Federal, estão na base da suposta fraude de R$25,2 bilhões da varejista.
De acordo com o comitê, os alertas da KPMG sobre os problemas contábeis foram feitos em apresentações no período de 2016 a 2019, endereçadas ao Conselho Fiscal da Lojas Americanas S.A (Lasa, a responsável pelo comércio físico) e ao Conselho Fiscal de B2W (a operação digital). Nesses casos, a auditoria indicava “dificuldades significativas” referentes à “substituição” e à “retificação” de respostas a cartas enviadas por bancos sobre as operações de risco sacado.
“A estratégia da Americanas tem sido buscar culpar a diretoria pelas fraudes. Mas fica cada vez mais evidente que houve falhas graves de governança corporativa”, ressalta Silva. Na avaliação do Instituto Empresa, essa postura da companhia de direcionar toda a responsabilidade aos administradores tem por objetivo se isentar do ressarcimento aos acionistas minoritários. “Somente a empresa pode processar os diretores culpados, ficando os investidores sem qualquer pleito indenizatório”, lembra.
O vazamento de hoje corrobora as conclusões da apuração realizada pela B3, que suspendeu a empresa do Novo Mercado e impôs multas à própria Americanas, aos conselheiros e ao comitê de auditoria. Na decisão, a B3 apontou que os conselheiros foram omissos na fiscalização e na gestão dos controles internos, permitindo que as irregularidades se estendessem por quase duas décadas. Segundo a bolsa, os conselheiros deveriam ter exercido maior diligência e supervisão. A reprovação das condutas é muito semelhante às atribuídas aos Diretores, sendo as multas praticamente idênticas, evidenciando a responsabilidade compartilhada pela gestão das fraudes.