A saúde mental no ambiente de trabalho deixou de ser um tema secundário para se tornar uma responsabilidade urgente. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, somente em 2024 foram registrados mais de 470 mil afastamentos do trabalho devido a transtornos mentais, o maior número em pelo menos uma década.
Não à toa, até maio de 2026, as empresas precisarão se adequar à nova Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece os fundamentos do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e, agora, inclui diretrizes específicas para fatores de risco psicossociais, como estresse, assédio moral e sobrecarga emocional.
Segundo o psicólogo e especialista em saúde organizacional Filipe Colombini, esse cenário exige das organizações muito mais do que campanhas pontuais ou ações simbólicas. “Não basta colocar um tapete de mindfulness ou oferecer um café. É preciso construir uma cultura genuína de cuidado, que integre a saúde mental à estratégia da empresa, da liderança ao operacional”, afirma o especialista.
Colombini destaca que saúde mental não é um compartimento isolado da saúde física ou biológica. “Essa separação é apenas didática. Tudo está interligado. Uma empresa saudável é feita por pessoas saudáveis física e emocionalmente”, explica.
Tudo começa pelo treinamento contínuo das lideranças, um dos pilares mais estratégicos para o sucesso de qualquer programa de saúde mental nas empresas. São os líderes que moldam a cultura organizacional no dia a dia, influenciam comportamentos e têm o poder de reforçar – ou minar – ambientes psicologicamente seguros.
Para promover um ambiente corporativo saudável e sustentável, as empresas devem investir de forma estratégica e consistente em uma estrutura que acolha, proteja e valorize a saúde mental de seus colaboradores. Um dos pilares dessa estrutura é a criação de espaços de escuta e canais de compliance efetivos, que garantam a possibilidade de denúncias seguras e confidenciais sobre comportamentos nocivos. Esse tipo de iniciativa demonstra comprometimento com a integridade organizacional e oferece segurança psicológica aos profissionais.
Além disso, é essencial manter um monitoramento constante do clima organizacional e das práticas de gestão. Avaliar periodicamente o ambiente de trabalho permite identificar problemas antes que eles se agravem, possibilitando ajustes que favoreçam uma cultura de bem-estar e produtividade. O cuidado com os colaboradores deve ir além de discursos: é necessário oferecer subsídios para psicoterapia ou psiquiatria, reconhecendo que o cuidado com a saúde mental é um benefício essencial — e não um luxo restrito a poucos.
Nesse contexto, a liderança tem papel fundamental. Gestores devem atuar como exemplos, falando abertamente sobre saúde mental, validando a importância do tema e demonstrando vulnerabilidade quando necessário. Essa postura humanizada contribui para romper estigmas e encoraja outros profissionais a também buscarem ajuda e se expressarem com autenticidade.
Outro aspecto crucial é o incentivo às relações saudáveis e à colaboração no ambiente de trabalho. Um clima de respeito, empatia e cooperação fortalece os vínculos entre colegas, reduz conflitos e promove um senso genuíno de pertencimento — ingredientes indispensáveis para o equilíbrio emocional e a motivação no dia a dia profissional.
Por fim, a prevenção a condutas nocivas e o fortalecimento de um ambiente acolhedor e seguro são compromissos inegociáveis. Assédio, discriminação e comportamentos tóxicos precisam ser enfrentados com firmeza, por meio de políticas claras e atitudes consistentes. Criar um espaço onde todos se sintam respeitados, protegidos e reconhecidos é um passo decisivo rumo a um ambiente de trabalho mais ético, saudável e verdadeiramente humano.
“Quando capacitadas, as lideranças desenvolvem habilidades fundamentais como escuta ativa, empatia, comunicação não violenta e gestão de conflitos, o que os torna agentes reais de promoção do bem-estar emocional das equipes”, diz Colombini. “Sem esse preparo, qualquer iniciativa tende a se tornar superficial ou incoerente com a prática cotidiana da organização. Portanto, investir em líderes emocionalmente inteligentes é um passo essencial para construir ambientes de trabalho mais saudáveis, produtivos e sustentáveis”, conclui.
Ainda de acordo com Colombini, é necessário romper com padrões culturais tóxicos, como a ideia de que buscar apoio psicológico é “frescura” ou “sinal de fraqueza”. “Isso ainda está muito presente, principalmente entre lideranças masculinas”, diz o psicólogo. “Mas saúde mental é força. E empresas que não entendem isso estão fadadas a perder produtividade, talentos e reputação”, conclui.
