Trabalhadores “multiempresa” transformam o mercado e desafiam modelos tradicionais de gestão

A aceleração dos modelos de trabalho flexíveis está dando forma a um novo perfil profissional: o trabalhador que não pertence a uma única empresa, mas atua simultaneamente em várias organizações. Esse modelo, baseado em projetos e vínculos múltiplos, vem se consolidando como uma das principais tendências do futuro do trabalho, segundo o relatório Human Capital Trends 2024 da Deloitte, que ouviu mais de 14 mil executivos em 95 países e apontou a gestão de ecossistemas de talentos como prioridade estratégica dos RHs.
 

No Brasil, o movimento se soma a um mercado aquecido. A PNAD Contínua do IBGE mostra que 2024 registrou a menor taxa média de desemprego da série histórica (6,6%), com recorde de ocupação e forte disputa por mão de obra qualificada. O cenário impulsiona formatos que permitem acesso a especialistas de alto nível sem ampliar o quadro fixo de funcionários.
 

Além dos consultores por projeto, cresce o número de “executivos fracionados”, profissionais que dividem o tempo entre diferentes empresas, especialmente em áreas como finanças, marketing e tecnologia. Casos de CFOs e outros C-levels que atuam de forma parcial já são comuns em startups e empresas em expansão.
 

Segundo Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach Recursos Humanos, essa tendência veio para ficar. “O profissional multiempresa traz velocidade, expertise e resultados imediatos para as companhias. O segredo está em desenhar contratos bem estruturados, com escopo definido e metas claras, de modo que todos saibam o que entregar e em quanto tempo”, afirma.
 

A chamada “carreira-portfólio” também dialoga com a expansão da economia de plataformas. Estudos do Ipea estimam que mais de 1,4 milhão de brasileiros atuam em atividades de aplicativo e prestação de serviços, sinalizando uma mudança cultural na forma de encarar o trabalho e a renda.
 

Para as organizações, o modelo requer governança sólida. É preciso cuidar de cláusulas de confidencialidade, evitar conflitos de interesse e garantir que o profissional tenha tempo e recursos adequados para atender a diferentes empregadores. “O RH precisa atuar como orquestrador de ecossistemas. Isso significa mapear riscos, definir responsabilidades e proteger cultura, compliance e dados corporativos”, destaca Teixeira.
 

Do ponto de vista dos profissionais, o modelo multiempresa oferece autonomia, aprendizado contínuo e liberdade para escolher projetos que façam sentido para sua trajetória. Pesquisas internacionais apontam o avanço do chamado polyworking, que combina múltiplas fontes de renda e desenvolvimento de habilidades em diferentes áreas.
 

Para Elcio, as companhias têm adotado três principais formatos: especialistas contratados para projetos curtos de até 120 dias, executivos fracionados para liderar transições estratégicas e bancos de talentos sazonais para atender demandas pontuais. “Não é terceirização, é curadoria de competências. Cada contrato deve equilibrar necessidade do negócio e propósito do profissional”, explica Teixeira.
 

Com a pressão por resultados e o encarecimento das contratações fixas, o modelo tende a se expandir. Para a Heach, o caminho está na clareza. “Diagnosticar a lacuna de competência, contratar por escopo e medir desempenho por entregas são os três pilares para fazer o multiempresa funcionar com segurança e impacto real”, conclui o CEO.

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