Vale adia prazos para pagamento a vítimas

Foto: Thaís Mendes

A Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Vale foi realizada na última quarta, 30, de forma exclusivamente online. O principal objetivo da AGO foi deliberar sobre temas essenciais para a governança da companhia, incluindo a eleição do novo Conselho de Administração para o biênio 2025–2027, a aprovação das demonstrações financeiras de 2024 e a destinação dos resultados do exercício.

A Vale levou à sua assembleia geral de acionistas, um Plano Global de Incentivo de Longo Prazo que prevê bônus multimilionários para altos executivos. A proposta reacende o debate sobre responsabilidade corporativa, pois a mineradora mantém reparações incompletas não apenas de Brumadinho, mas também de Mariana.

A assembleia contou com a participação dos acionistas críticos. São moradores de regiões atingidas, investidores minoritários e organizações de direitos humanos que compram ações para levar propostas e questionamentos às assembleias, pressionando por mais transparência, responsabilização e justiça. “Há 15 anos, os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale recorrem a estratégias de contra-narrativa para votar contra deliberações corporativas que reforçam ou promovem crimes e violações de direitos humanos”, diz Fernanda Martins, Secretária Executiva da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

Presente na assembleia, a advogada Victória Salles, acionista crítica da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, contou que a percepção geral foi de que o formato da assembleia dá pouco espaço para esses acionistas. “Questionamos o Relatório, mas não somos respondidos. A empresa apresenta somente dados positivos. Não há transparência nas informações. Além disso, a companhia ainda insiste em pactuar acordos de reparação sem a participação das pessoas atingidas. Há dados no próprio relatório que também demonstram que as obrigações estão atrasadas”, diz ela.

Em Mariana, o rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro de 2015 matou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce, afetando 87 municípios ao longo de 600 km de curso d’água. Desde então foram firmados cinco acordos de reparação, mas quatro deles foram descumpridos. O quinto, assinado em 2024 por um total de R$ 170 bilhões, já liberou cerca de R$ 45 bilhões e indenizou 448 mil pessoas, mas comunidades continuam criticando a burocracia excessiva para acesso aos recursos e a falta de transparência na definição de prioridades.

Seis anos após o desastre ocorrido em Brumadinho em 25 de janeiro de 2019, que deixou 272 mortos, contaminou o Rio Paraopeba, mais de 130 hectares de vegetação de Mata Atlântica, animais domésticos e silvestres, atingindo 26 municípios, a Vale afirma ter cumprido 75% das obrigações do Acordo Integral de Reparação, mas as pessoas que residem nos territórios atingidos desconhecem essa realidade. Cabe citar o Programa de Transferência de Renda (PTR), pago pela Fundação Getúlio Vargas para garantir a subsistência das famílias atingidas, garantia prevista em lei que teve seu valor reduzido em 50% em fevereiro de 2025 de forma arbitrária, contrariando as regras do Edital de Chamamento Público que previa reduções graduais, com sua finalização em janeiro de 2026.

Novo acordo

Na mesma data da assembleia, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) homologou um acordo que envolve vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

O objetivo é assegurar indenizações relativas ao chamado “dano-morte”, que corresponde à compensação pelo sofrimento das próprias vítimas em decorrência do desastre, ocorrido em janeiro de 2019. O valor das indenizações não foi informado por questões de segurança.

“A Vale havia proposto finalizar em 2026 todas as obrigações, segundo o Relatório da Administração 2023, mas agora adiou para 2031. A empresa vem descumprindo os prazos que estipulou”, afirma Victória. Durante a assembleia, foi colocado também que a Vale viola regras da legislação trabalhista e as Convenções 100 e 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Mulheres que passam por processo de trainee, ao serem efetivadas, ganham salários inferiores aos dos homens, chegando em 17% a desigualdade salarial”, diz ela.

Para Danilo Chammas, advogado, morador de Brumadinho e Diretor-Presidente do Instituto Cordilheira, os problemas na reparação são visíveis. “Como morador, sinto na pele. Durante a assembleia, frisamos a insatisfação pelo fato de eles não serem claros com a população local em relação aos planos da empresa para a região e por não terem trabalhado para fechar a mina. Em vez disso, querem retomar a exploração da mina da Jangada com a expansão dela, com grave risco à segurança hídrica das comunidades do entorno. Há um descompasso entre o discurso e a prática”, diz.

Lucro e incentivos

Apesar desses legados de omissão, a mineradora fechou 2024 com lucro líquido de R$ 31,6 bilhões, que mesmo sendo 21% abaixo de 2023, aprovou agora generosos incentivos de longo prazo para seus executivos, antes de eliminar todas as barragens em nível máximo de emergência e de concluir integralmente a reparação dos danos mais graves.

Para Danilo Chammas, os bônus podem funcionar como um estímulo à atuação irresponsável dos dirigentes. “Reforçar a ‘cultura de dono’ na alta liderança, pagando prêmios extras por sua exposição aos riscos dos negócios da Vale, não é a resposta que esperávamos para os graves problemas de governança que os rompimentos de barragens escancararam”, afirma.

As punições a algumas das pessoas responsáveis por Brumadinho começam a acontecer. Em dezembro de 2024, o ex-diretor Gerd Peter Poppinga foi multado em R$ 27 milhões pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por falhas em diligências anteriores ao rompimento. Seu colega Fabio Schvartsman, ex-presidente da Vale, foi absolvido pela CVM, mas em abril de 2025 o TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região) autorizou recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) para reabrir a ação penal contra ele e reavaliar sua responsabilidade por crimes ambientais e de homicídio. Em março de 2025, o Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) cancelou os registros de cinco engenheiros ligados à barragem, reconhecendo negligência técnica grave responsável por 272 mortes.

Sem ouvir as vítimas

Enquanto isso, parte dos recursos de reparação tem sido desviada para obras de infraestrutura, como trechos de rodovias apelidados de “Rodominério”, beneficiando a malha operacional da mineradora em vez de priorizar a reconstrução de moradias e meios de subsistência das comunidades. “Os moradores da região denunciam que não foram ouvidos na definição dos termos dos acordos nem nos projetos de reparação”, afirma Chammas.

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