A luta contra o excesso de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera, impulsionado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, ganha um aliado pouco conhecido: os corais. Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que formações coralíneas do litoral paulista, especialmente na região do Arquipélago de Alcatrazes, apresentam uma notável capacidade de retenção de carbono – um processo natural que pode contribuir significativamente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
A crescente concentração de CO₂, proveniente da queima de combustíveis fósseis – sendo que, estatisticamente, a queima de cada litro de gasolina libera cerca de 2,3 kg de CO₂, originado do processamento de aproximadamente 4 litros de petróleo – demanda soluções eficazes para a mitigação de seus impactos. Enquanto o ciclo natural da fotossíntese promove a conversão do CO₂ atmosférico em biomassa vegetal, alguns organismos marinhos, como corais e algas calcárias, apresentam um mecanismo de retenção de carbono de longo prazo por meio da produção de carbonato de cálcio (CaCO₃).
Diferente do carbono orgânico gerado pela fotossíntese – que é rapidamente reintegrado à atmosfera pela respiração dos seres vivos e decomposição da matéria orgânica – o carbonato de cálcio constitui uma forma mineral estável, capaz de sequestrar o carbono por séculos ou até milênios. Essa estabilidade torna o processo altamente relevante diante dos desafios contemporâneos.
Investigações conduzidas no Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha da Universidade Federal de São Paulo (LabecMar/Unifesp) vêm se dedicando a quantificar essa capacidade de fixação de carbono em ecossistemas coralíneos. Uma publicação recente detalha como a análise tomográfica computadorizada dos esqueletos de corais da região de Alcatrazes revelou padrões de crescimento que permitiram estimar a produção anual de carbonato de cálcio pelo coral-cérebro (Mussismilia hispida). A precisão metodológica empregada nessa pesquisa, incluindo o uso de tecnologias avançadas de imageamento, ressalta o rigor científico da investigação.
Os resultados do Projeto Mar de Alcatrazes – uma parceria entre Unifesp, ICMBio e Petrobras – indicam que os corais-cérebro ao redor da ilha principal do arquipélago produzem anualmente cerca de 170 toneladas de CaCO₃, o que representa uma retenção de aproximadamente 20 toneladas de carbono. Em termos comparativos, essa quantidade de carbono fixado equivale às emissões geradas pela queima de 324 mil litros de gasolina, ilustrando a magnitude do serviço ecossistêmico prestado por essa comunidade coralínea em uma escala local.
Esses achados representam um avanço significativo na valoração dos serviços ecossistêmicos proporcionados por Unidades de Conservação Marinha, particularmente no que concerne ao sequestro de carbono. A pesquisa, fruto do mestrado de Luis Oliveira, sob a orientação de Guilherme Pereira-Filho, docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista, e publicada na revista Marine Environmental Research, sublinha o potencial dos ecossistemas marinhos como aliados estratégicos nas iniciativas de mitigação das mudanças climáticas.
A capacidade de quantificar e compreender os processos naturais de fixação de carbono abre um leque de oportunidades para o desenvolvimento de abordagens inovadoras em sustentabilidade, onde a ciência e a conservação se encontram com o potencial de gerar valor para diversos setores da sociedade. O aprofundamento do conhecimento científico nessa área pode, portanto, catalisar a criação de novas soluções e modelos de negócios alinhados com uma economia de baixo carbono.