Diante de um cenário geopolítico complexo e do recente impasse na Organização Marítima Internacional (IMO), especialistas veem no Brasil um potencial líder global na adoção de biocombustíveis para descarbonizar o transporte marítimo. A avaliação é que o País deve utilizar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) para reforçar sua biotecnologia e bioenergia como soluções viáveis.
O debate ganhou urgência na última sexta-feira (17), quando os Estados-membros da IMO adiaram a definição do Marco Net-Zero de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor. A decisão ocorreu após a falta de consenso e a forte oposição dos Estados Unidos ao que classificaram como “imposto global sobre o carbono”, um dos mecanismos de precificação propostos pela IMO, juntamente com um padrão global de combustível, para atingir emissões líquidas zero.
O padrão de combustível é um ponto de especial interesse para o Brasil. A representação brasileira na IMO defende que os biocombustíveis de primeira geração, como o biodiesel e o etanol, são classificados como “drop-in” — ou seja, são compatíveis com os motores atuais das embarcações e podem substituir o bunker, óleo fóssil utilizado nos navios. As tentativas de avançar nas diretrizes do Marco Net-Zero serão retomadas por um grupo de trabalho ainda nesta semana, com novas discussões previstas para daqui a 12 meses.
No entanto, os biocombustíveis nacionais enfrentam resistência da Europa, que prioriza o desenvolvimento de amônia verde, hidrogênio e metanol como substitutos do combustível fóssil. “A IMO sofre influências geopolíticas claras, com a Europa moldando regulações e apresentando um grande entrave inicial”, afirmou Camilo Adas, diretor de Transição Energética e Relações Institucionais da Be8. O impasse frustra a International Chamber of Shipping (ICS), que representa mais de 80% da frota mercante global, pois a incerteza regulatória adia investimentos cruciais em tecnologias de descarbonização, segundo o secretário-geral da ICS, Thomas A. Kazakos.
Para Camilo Adas, que também atua no Conselho do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB), a COP30 é uma oportunidade para o País não só promover sua bioenergia, mas também para desmistificar o dilema “Fuel x Food”. Adas sustenta que a produção de matéria-prima para biocombustíveis e a produção de alimentos são complementares, citando estudos que demonstram a possibilidade de aumento de produção em terras degradadas.
O potencial brasileiro é corroborado pela consultoria Boston Consulting Group (BCG), que, em relatório recente, aponta as condições do País para suprir até 15% da demanda global de biocombustíveis para navegação, o que poderia evitar 170 milhões de toneladas de CO2 e atrair US$ 90 bilhões em investimentos. O sócio de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho, Nilton Mattos, e o sócio de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório, Antonio Augusto Reis, veem o sistema híbrido proposto pela IMO, que combina eficiência da frota a incentivos ou penalidades baseadas na emissão de carbono, como uma oportunidade para o Brasil.
Para a concretização desse potencial, o BCG e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) concordam na necessidade de um arcabouço regulatório claro por parte da IMO, mecanismos de incentivo até 2027, e a adaptação de motores compatíveis com etanol. Os sócios do Mattos Filho alertam ainda para a necessidade de avanço na infraestrutura portuária global e local. “Não adianta ofertá-los no Brasil e não ter onde reabastecer na China, grande destino das exportações brasileiras”, concluem.
*Com informações do Estadão









