Mulheres conquistam protagonismo no mercado imobiliário

Profissionais em segmentos historicamente masculinos que se tornaram líderes, contam como superaram barreiras e preconceitos com criatividade, firmeza e dedicação. Em muitas empresas na capital goiana, elas são a maioria e têm igualdade de oportunidades

Apesar de representarem 51,5% da população brasileira – cerca de 6 milhões a mais que os homens, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 – as mulheres ainda enfrentam desigualdade no mercado de trabalho. Mesmo com maior escolarização (60,3% dos graduados são mulheres), elas ocupam apenas 39,3% dos cargos gerenciais e recebem, em média, salários 21,2% inferiores aos dos homens, que dominam 60,7% dessas funções e ganham R$ 8.378, contra R$ 6.600 das mulheres (IBGE, 2024). No entanto, esse cenário tem evoluído nos últimos anos, impulsionado por iniciativas de empresas que buscam maior equidade de gênero. No mercado imobiliário em Goiânia, esse movimento tem ganhado cada vez mais força.

Atuando há 20 anos neste segmento historicamente masculino que é a construção civil, a advogada e engenheira civil de formação Patrícia Garrote é um exemplo de profissional que atua fortemente no desenvolvimento de profissionais e lideranças mulheres e sua participação no mercado imobiliário. Em 2024, Patrícia, que é diretora de uma incorporadora tradicional de Goiânia e atua também na diretoria da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-GO), deu início ao Nummi – Núcleo de Mulheres do Mercado Imobiliário. O projeto começou com 10 mulheres e o objetivo era promover um ambiente para a troca de experiências e network entre lideranças atuantes no mercado imobiliário e na construção civil, seja nos canteiros de obra, ou em cargos administrativos, como executivas e/ou proprietárias de empresas.

Para Patrícia, o maior desafio em atuar em um setor historicamente dominado por homens está na necessidade contínua de superar estereótipos, preconceitos de gênero. “A construção de credibilidade e a conquista de respeito em um ambiente onde a liderança feminina ainda é minoria exigem demonstrar constantemente competência, assertividade e conhecimento técnico. Mesmo após duas décadas da minha entrada neste mercado, o preconceito contra mulheres em cargos de liderança ainda persiste, embora de forma mais sutil”, avalia.

Este é o motivo pelo qual ela destaca a importância do apoio às profissionais mulheres, em qualquer carreira. “O Nummi foi a concretização de um ideal que sempre tive. Hoje temos um ambiente de cooperação e rico em networking, com possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal, pois somos também mulheres que conciliam profissão com outras funções, como de mãe, de filha, esposa, ainda assim mantendo sua autoestima e seu autocuidado”, explica Patrícia, idealizando que, para o futuro, o Nummi ainda tenha uma importante função social a cumprir. “Treinar e capacitar mulheres menos favorecidas socialmente, para atuarem ao longo de toda a cadeia produtiva, desde canteiro de obras até cargos de alta liderança, para que elas tenham sua própria liberdade financeira e para criar suas famílias com dignidade”, sonha.

Elas são maioria

O apoio às lideranças femininas segue como premissa na Dinâmica Incorporadora, onde Patrícia Garrote é diretora de incorporações. A participação das mulheres é bem acentuada, a começar pelo Conselho Executivo da empresa, onde quatro dos seis membros são mulheres. Nos quadros administrativos, elas são a maioria nas coordenações. Já nas obras, a presença feminina tem menos força, mas é presente com 20 colaboradoras nas funções de serventes. Em contrapartida, nas lideranças, são três engenheiras, três técnicas de segurança do trabalho e uma coordenadora nos seis canteiros de obra atuais. “Aqui, a presença feminina se consolida como um pilar fundamental da nossa liderança. Valorizamos, incentivamos, contratamos e desenvolvemos essas mulheres em todas as áreas da empresa, principalmente nos cargos estratégicos. Hoje a direção da incorporação é liderada por uma mulher, então nós temos mulheres em posições importantes, em papéis de obra, de execução e segurança do trabalho, entre outros. Mais do que números, são dados que refletem a cultura da empresa, onde os talentos, as competências das pessoas, são reconhecidas independentemente do gênero”, analisa a coordenadora de Recursos Humanos da Dinâmica, Daiane Ferreira.

Na EBM Desenvolvimento Imobiliário, a presença feminina na liderança se destaca em diversas áreas da empresa. Nos escritórios, 57% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres; na engenharia, elas representam 52%; e nas obras, 53% da gestão é feminina. Um exemplo desse avanço é Francisca Nicolau, colaboradora da EBM há 16 anos. Ela iniciou sua trajetória como estagiária no setor de Segurança do Trabalho e, ao longo dos anos, construiu uma carreira sólida até assumir a gerência do departamento. “A EBM foi essencial para o meu crescimento profissional e pessoal, pois investe em programas de desenvolvimento de liderança e treinamentos técnicos que me ajudaram a aprimorar minhas habilidades. Além disso, a empresa possui uma cultura inclusiva que valoriza a contribuição de todas as colaboradoras”, destaca Francisca.

Pós-graduada em Auditoria, Avaliação e Perícia da Engenharia, Francisca reconhece que ainda há desafios para as mulheres na construção civil, mas acredita que essas barreiras estão sendo superadas. “Sabemos que conquistamos nosso espaço e somos respeitadas na nossa área de atuação. Meu conselho para outras mulheres do setor é que não tenham medo de se destacar, assumam desafios e acreditem no próprio potencial. É um mercado exigente, mas repleto de oportunidades, especialmente em empresas que valorizam o crescimento profissional”, finaliza.

Igualdade de oportunidades

A coordenadora de Planejamento e Controle da Sousa Andrade Construtora, engenheira Aline Spessatto, destaca que, felizmente, a realidade na construção civil está mudando e, por isso, o apoio à trajetória profissional feminina dentro do setor é essencial. Na Sousa Andrade, essa valorização se reflete nos números: 14 mulheres ocupam cargos de liderança, e o departamento de engenharia conta com uma representatividade feminina próxima a 50%. “A Sousa Andrade investe no desenvolvimento de suas colaboradoras por meio de capacitação contínua e treinamentos especializados, preparando-as para assumir posições de liderança. A empresa promove a igualdade de oportunidades, garantindo que todas tenham acesso a desafios e responsabilidades que impulsionam seu crescimento profissional. Além disso, somos incentivadas a liderar projetos de alta complexidade, sempre com o suporte necessário para nos destacarmos e avançarmos na organização”, enfatiza Aline.

Já na CMO Construtora, entre os canteiros de obras e os escritórios administrativos, são 93 mulheres, com 15 delas em cargos de liderança na empresa. Para a gerente do departamento comercial da CMO, Fátima Stival, que comanda uma equipe de 11 pessoas, das quais 8 são mulheres. Para ela, a força de trabalho feminina tem ganhado cada vez mais o merecido valor no segmento imobiliário. “Nós seguimos uma filosofia de trabalho fundamentada na gestão ativa e participativa. O planejamento e o engajamento atencioso são aspectos fundamentais. Acreditamos que esse envolvimento da equipe gera resultados positivos, pois a liderança feminina se destaca ao dirigir, orientar e realizar as tarefas de maneira mais assertiva, comprometida e cuidadosa.”, diz. Nesse sentido, a construtora investe na realização de algumas ações de qualificação, como o projeto de patrocínio de bolsas de estudo, com o intuito de incentivar a capacitação, o desenvolvimento individual e em equipe, de suas colaboradoras.

Espaço conquistado

A gerente regional da Brasal Incorporadora em Goiânia, Elisa Leles, entrou na empresa como estagiária de engenharia, em 2016, e hoje lidera o time de Incorporação e Desenvolvimento Imobiliário, Administrativo Financeiro, Atendimento ao Cliente e Assistência Técnica. Ela conta que já viu muitas mulheres tentarem “ganhar no grito” e medirem força para conquistar respeito e voz, mas que ela sempre buscou conquistar seu espaço sem mudar a própria essência para se adaptar em meio aos homens. “Tive uma líder mulher no começo da minha carreira que foi uma inspiração”, explica Elisa. “A engenharia por muitos anos foi uma área praticamente dominada por homens, mas, de um tempo pra cá́, isso vem mudando. Antes eu lidava quase que exclusivamente com homens”, explica ela.

Camila Inácio, diretora de incorporações da Consciente Construtora e Incorporadora, também é um exemplo de como a determinação e a visão estratégica podem transformar esse mercado. Desde o início da carreira, enfrentou desafios típicos de mulheres em ambientes masculinos. “Mesmo eu sendo a chefe, as pessoas preferiam falar diretamente com um homem ou com o meu superior. Isso me motivou a buscar mais conhecimento e a provar minhas habilidades, para mostrar que eu também tinha autoridade e competência para liderar”, afirma. Camila destaca que a sensibilidade e a capacidade de lidar com múltiplas tarefas foram fundamentais para todas as conquistas na carreira. “A mulher tem uma habilidade única de resolver vários problemas ao mesmo tempo”, diz.

Para ela, a liderança feminina no setor é essencial pela competência técnica e pela visão criativa. No Dia Internacional da Mulher, Camila vê a data como uma celebração das conquistas femininas e como um momento de reflexão sobre a necessidade de tornar essas vitórias uma realidade cotidiana. Olhando para o futuro, ela acredita que, com a industrialização dos processos na construção civil, surgirão ainda mais oportunidades para mulheres no campo técnico, já que as condições físicas exigidas em algumas funções deixarão de ser um impeditivo, promovendo a equidade entre os gêneros no setor.

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