Por Felipe Ribeiro – Capital Aberto.
Breve histórico do “apelido”
Meus amigos advogados – e tenho alguns, sintam-se abraçados! – me ensinaram que contratos “atípicos” são aqueles que não possuem previsão legal, ou seja, são aqueles que não estão previstos na legislação, que os próprios advogados criam em seu dia a dia para satisfazer a intenção de seus clientes em fechar negócios.
No mundo imobiliário, os contratos atípicos são aqueles que ficaram conhecidos por serem “atípicos” do ponto de vista da Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), visto que esta lei trata especialmente do contrato de locação residencial. Este contrato “típico” prevê a obrigatoriedade de as partes fixarem uma multa pactuada no valor de locação proporcional ao período do cumprimento do contrato.
A prática, no entanto, fez viabilizar por meio do contrato “atípico” uma estrutura contratual que permite às partes combinarem valor de multa por quebra de contrato distinto. O intuito inicial dessa previsão advém do investimento feito pela incorporadora, a qual necessita que o locatário assuma parte dos riscos, já que a construção do imóvel foi viabilizada a pedido ou com a finalidade desejada pelo próprio locatário. Este tipo de contrato é o que vem viabilizando centenas de desenvolvimentos imobiliários de médio e grande porte no Brasil desde meados da década de 90.
Em 2012 este tipo de contrato foi tipificado em lei através da Lei 12.744 que alterou o artigo 4° da Lei do Inquilinato e acrescentou o artigo 54-A. Ambas as alterações que permitiram os contratos “atípicos” serem tipificados, entretanto o “mercado” ainda hoje continua chamando estes contratos de atípicos, e sendo assim – o faremos aqui até o final desta coluna. Importante ressaltar, ainda, que contratos de locação em shopping centers também são contratos “atípicos”, pois possuem dinâmica distinta àquela adotada pela Lei do Inquilinato para os contratos de locação residencial. O artigo 54 trata desses contratos também.
Como (e por qual motivo) funcionam os contratos atípicos
Regularmente grandes empresas precisam de algum tipo de desenvolvimento imobiliário, um galpão refrigerado, uma sede de empresa, um data center com condições específicas, entre outros. Como o ramo imobiliário não é a especialidade da maioria das empresas, elas contam com um terceiro contratado por elas (ou o dono do terreno) para poder fazer este desenvolvimento.
Este desenvolvimento é feito “sob medida” ou “to suit” para atender as mais específicas condições que a empresa solicite. Justamente por ter condições muito específicas pode também o desenvolvedor ter mais dificuldade de locá-lo ou vendê-lo para uma outra empresa, de tal maneira que ambas as partes (desenvolvedor e empresa) tratam aquele imóvel de forma individual.
Por se tratar de um negócio ímpar, o desenvolvedor solicita à empresa que faça um contrato de longo prazo, 10, 15 ou até 20 anos justamente para “valer a pena” desenvolver aquele imóvel tão específico e ter algum lucro. Se apoiando neste contrato de longo prazo o desenvolvedor – com o “de acordo” da empresa – vai ao mercado de capitais se financiar para poder desenvolver aquele imóvel “específico”.
O mercado de capitais e seus participantes por sua vez entendem que por se tratar de “grande empresa” e baseados na “força” do contrato atípico aceitam financiar aquele empreendimento se apoiando no risco de crédito da “grande empresa” – além do risco de obra, obviamente.
E assim a roda gira. Todos de boa-fé e cada parte ganhando seu quinhão nesta negociação, que é do interesse de todas as partes. Cada um faz a sua parte: um solicita o imóvel específico, o outro desenvolve, o outro financia e aquele primeiro paga. Se algum elo da cadeia falhar, não há desenvolvimento. Entretanto, após o desenvolvimento feito, o que se espera é que – desde que conforme o quanto previsto no contrato “atípico” (ou seja, atendidas as especificidades solicitadas pela “grande empresa”) ela pague os aluguéis que, por sua vez, rentabilizará o capital dos investidores.
Assim, caso algum elo da cadeia, especialmente a “grande empresa”, deixe de fazer sua parte, o impacto no mercado imobiliário e no mercado de capitais (que financia este tipo de desenvolvimento) seria imensurável. E não se engane dizendo que o dinheiro é do “grande investidor”: por muitas vezes esse dinheiro sai também do bolso da pessoa física, direta ou indiretamente, do pequeno poupador. Seja através do investimento em FIIs que compram CRIs Built-to-suit ou diretamente em CRIs desta modalidade. Papel passado, assinado o contrato – caso a “grande empresa” deixe de pagar o aluguel alegando o que quer que for, a empresa estaria inadimplente e o credor pode tomar medidas legais cabíveis.
A celeuma dos questionamentos deixa o “Seu Madruga” com inveja
Assim, quaisquer questionamentos feitos por algum devedor de contrato atípico são tiros n’água. Mesmo que na mudança de “diretoria” de alguma empresa devedora deste tipo de contrato, o que irá acontecer (assim como já tem acontecido nos casos anteriores de questionamento) é que a empresa irá perder a causa, e provavelmente terá que arcar com os custos advocatícios de ambas as partes.
O devedor deste tipo de contrato aceitou as condições no momento do desenvolvimento imobiliário, aceitou e sabe que o desenvolvedor se financiou com o mercado de capitais – e fez isso de boa-fé. O que mudou?
Ainda: este tipo de questionamento poderia trazer dúvidas do mercado sobre este tipo de negócio atípico com aquela “grande empresa”, e também com outras “grandes empresas”, dificultando o desenvolvimento imobiliário do país, e encarecendo as taxas de juros cobradas em próximos financiamentos dessa natureza.
Há saídas para o credor?
Todas as decisões – sejam em arbitragem ou em juízo – deveriam ir na mesma linha. Se há contrato atípico não tem discussão: a “grande empresa” deve pagar seu aluguel. Tantos negócios já feitos e a serem feitos se baseiam na premissa de que “contratos atípicos” devem ser cumpridos.
Ao abrir a possibilidade deste tipo de devedor “ganhar” uma causa como esta, o mercado (imobiliário e de capitais) já começa a precificar outras operações diferentes – se é que irão fazer outras operações.
Este fantasma vem rondando o mercado de FIIs e de CRIs há alguns anos, com grande banco e empresa química questionando contrato atípico – e ambos perdendo a causa. Tudo faz crer que uma outra “grande empresa” perca quaisquer outras solicitações que possam fazer – mas só saberemos quando terminar. A saída para o credor está dada: aguardar arbitragem e ou procedimento jurídico na certeza que a “grande empresa” terá que pagar seu aluguel. Cedo ou tarde. Seu Madruga não fará seguidores no Brasil.
*Felipe Ribeiro é sócio-diretor de investimentos do Clube FII. Formado em Administração de Empresas pela FEA/USP, foi gestor de FIIs, Head de Estruturação da RB Sec (atual Opea) e fez o primeiro research de CRIs do Brasil em 2013. Participa colaborativamente na regulação e autorregularão do mercado de securitização. É autor do primeiro livro dedicado aos FIIs de CRI.